TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

430 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e aplicativa, resultado equivalente a uma revogação, por via jurisprudencial, de uma regra constitucional destinada a proteger a segurança jurídica dos contribuintes contra o exercício abusivo do poder do Estado lançar impostos, como demonstrado por experiências passadas. A conceção defendida no Acórdão, que transforma a irretroatividade fiscal, enquanto regra tendencial­ mente absoluta, numa refração do princípio da confiança – que como princípio constitucional tem uma tex­ tura aberta que repousa em conceitos vagos, plurisignificativos e de contornos fluídos – viola os critérios her­ menêuticos que devem ser utilizados na interpretação da lei. A este propósito, basta invocar que o elemento literal ocupa na metodologia de interpretação das normas constitucionais o mesmo lugar de ponto de partida e de limite que ocupa na interpretação do direito ordinário, o que desde logo aponta para a inadmissibilidade da construção doutrinal do Acórdão, a qual não encontra correspondência na letra nem no espírito da lei. A redação do artigo 103.º, n.º 3, introduzida pela revisão constitucional de 1997, só se compreende – e o intérprete tem que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) – se tiver um significado distinto e mais intenso, do ponto de vista da segurança jurídica dos contribuintes, do que aquele que já resultava da aplicação do princípio constitucional da confiança. A tese propugnada no presente Acórdão – embora reconhecendo à irretroatividade fiscal uma vaga função de censura prima facie dos encargos fiscais retroativos – sujeita todos os casos de leis retroativas a juízos de ponderação de interesses e de finalidades, criando uma margem de subjetividade e de inde­ terminação que deixa todos os contribuintes numa situação de insegurança e de vulnerabilidade perante o poder legislativo e perante os tribunais, resultado manifestamente contrário à letra e à ratio do artigo 103.º, n.º 3, da CRP. E nem se diga, como afirma o Relator, que é excessivamente formal a legitimidade democrática de uma regra adotada na revisão constitucional de 1997, por representar a vinculação de gerações futuras a uma maioria qualificada conjuntural. É que, para além de as questões intergeracionais referidas no presente Acórdão não terem significado no contexto da retroatividade fiscal, quando se dis­ corre sob a veste de juiz, deve utilizar-se um discurso o mais possível depurado de considerações pessoais sem relevo para a discussão do caso. Importa ainda tornar claro que não se pode ler neste Acórdão uma viragem jurisprudencial quanto à retroatividade da lei fiscal, desde logo porque a fundamentação defendida pelo Relator não foi subscrita pelo coletivo de juízes que compõem esta 3.ª secção. Mais: uma viragem jurisprudencial só se verifica quando decorre de um caso que conduziu o tribunal a novos juízos de valoração e a uma decisão distinta da que resul­ tava da orientação jurisprudencial anterior. Ora, no caso sub judice , a decisão encontrada vem a ser, afinal, a mesma que decorreria da jurisprudência anterior que se pretendeu alterar. Repare-se que se indica como justificação da admissibilidade de leis fiscais retroativas o combate à evasão fiscal mas, após se reconhecer que a norma em apreciação aumentou a taxa de imposto para «evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social», acaba por se decidir pela incons­ titucionalidade da norma (com base nos argumentos não convincentes descritos nos números 18 e 19), em contradição com as premissas da tese defendida. A argumentação desenvolvida está, assim, desligada da teleologia do caso e da prioridade argumentativa que este detém na metodologia jurídica e no processo de aplicação do direito. E apresenta o inconveniente de vulnerabilizar todos os contribuintes diante do poder (expropriativo) do Estado lançar e cobrar impostos, pelo perigo de, enquanto fundamentação pronunciada em nome do Tribunal Constitucional, ser interpre­ tada pelo legislador, e pelos outros tribunais, como um sinal de que o Tribunal Constitucional passa a enten­ der a emissão de leis fiscais retroativas como conformes à Constituição. É que a jurisprudência do Tribunal

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