TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

431 acórdão n.º 171/17 Constitucional (sobretudo nos processos de fiscalização abstrata, mas também na fiscalização concreta) tem um papel orientador e uma força de persuasão que não podem ser ignorados, podendo produzir efeitos que, na prática, estão para além do caso concreto. Mesmo aceitando-se exceções à proibição da retroatividade fiscal como forma de combater a evasão fiscal ou de promover a equidade tributária, haveria sempre de dar um efeito útil ao artigo 103.º, n.º 3, da CRP – uma reserva forte de segurança aos contribuintes – porque foi essa a vontade do legislador constitu­ cional expressa na letra da norma, argumento decisivo na análise do problema e que não pode ser ignorado. Quanto ao argumento de que a retroatividade fiscal pode encontrar a sua justificação na promoção da «justiça social» tem apenas um valor meramente facial, para legitimar no plano discursivo, pela força apelativa das palavras, a transformação de uma regra constitucional num mero princípio equivalente a uma refração do princípio da confiança. É que a justiça social é um dever do Estado e só é possível concretizá-la através de uma política fiscal que promova a igualdade e a repartição justa da riqueza (artigos 103.º, n.º 1 e 104.º da CRP), tocando no sistema fiscal como um todo, e não através de medidas avulsas de retroatividade fiscal, sempre perturbadoras das expetativas e dos planos das empresas e das famílias. Para objetivos de jus­ tiça social tem o Estado ao seu dispor variadíssimos meios, como a progressividade das taxas, o aumento do número de escalões e do valor dos rendimentos isentos, o aumento dos impostos sobre a riqueza e medidas fiscais específicas de apoio às famílias e ao cuidado de crianças e outros dependentes. Quanto às críticas tecidas relativamente aos conceitos de retroatividade autêntica (casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já produziu os seus efeitos ao abrigo da lei antiga) e inautêntica (casos em que a lei nova se aplica a factos passados, cujos efeitos perduram no presente, como o caso do Acórdão n.º 399/10, em que se decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas fiscais que criaram um escalão novo de IRS e aumentaram todas as taxas do imposto, com incidência sobre a totalidade dos rendimentos auferidos durante o ano de 2010), partilho-as com o presente Acórdão, mas por outros motivos: é que esta distinção de categorias, como forma de delimitar o âmbito de aplicação da proibição da retroativi­ dade, deixa de fora da regra da irretroatividade fiscal situações mais carecidas de proteção do que as incluídas na retroatividade autêntica, como o caso dos rendimentos do trabalho (sobretudo, do trabalho subordinado), os quais, como factos tributários complexos de produção sucessiva, integradores do conceito de retroativi­ dade inautêntica, podem ser atingidos por leis fiscais que alterem, a meio do ano fiscal, com efeitos retroati­ vos à data do seu início, a taxa de imposto, os escalões, o valor da matéria coletável ou das deduções à coleta. Mas críticas ao formalismo desta distinção e aos seus limites são usadas para provar demais, pois, ao contrário da tese defendida pelo Relator, não demonstram (nem têm por consequência lógica) a desnecessidade da regra da irretroatividade fiscal nem a virtualidade da sua substituição pelo princípio da confiança. Demons­ tram apenas que na retroatividade autêntica se abrangem situações menos carecidas de proteção do que aquelas que o Tribunal Constitucional tem integrado no conceito de retroatividade imprópria e que estariam apenas protegidas pelo princípio da confiança. Por outro lado, a proposta doutrinal feita na fundamentação do Acórdão, substituindo o formalismo jurídico destas categorias pelo critério da finalidade das leis fiscais retroativas, para além de ser ainda mais contornável pelo legislador do que o critério conceitual, alarga dema­ siado os poderes do Estado na criação de impostos retroativos, e alarga-os de uma forma imprevisível para os contribuintes e dificilmente controlável pelos tribunais. Por último, decorre do teor objetivo das declarações apresentadas por todos os Conselheiros da 3.ª Sec­ ção, conforme exprimi na sessão, que o Relator ficou vencido quanto à parte essencial da fundamentação, no âmbito do parâmetro constitucional usado, e que deviam ter sido observados os trâmites do artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, norma aplicável ex vi do artigo 69.º da Lei Orgânica do Tribunal Cons­ titucional, com declaração de vencido aposta pelo Relator ao Acórdão, ou, em alternativa, a solução prevista no artigo 663.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, onde se estipula que se o relator for apenas vencido quanto a algum dos fundamentos, é o acórdão lavrado pelo juiz que o presidente designar.

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