TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

436 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma vez que direitos fundamentais são “elementos constitutivos da legitimidade constitucional”, que cons­ tituem “elementos legitimativo-fundamentais da própria ordem constitucional positiva”, traduzem o estado dos direitos no contexto do Estado do direito democrático. Tal fenómeno é patente na Constituição da República Portuguesa, que baseia a República no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) que associa o princípio da juridicidade da ação do Estado à garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º) que incumbe ao Estado, a título de tarefa fundamen­ tal, a defesa e promoção dos direitos fundamentais [artigo 9.º/ b) ] que consagra uma cláusula aberta de direitos fundamentais [artigo 16.º/1)], enfim, que dedica a sua Parte I à enunciação dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos. A Lei Fundamental consagra, no âmbito dos princípios gerais aplicáveis em sede de direitos fundamentais, os direitos de resistência (defesa não institucionalizada) e de acesso ao direito (artigos 21.º e 20.º, respetivamente). 1.º Há um Princípio que os Venerandos Juízes Conselheiros não podem ignorar: a garantia constitucional do juiz natural bem como o do princípio do contraditório e da assistência judiciária. 2.º – Perante um tal princípio, caso o Tribunal de Instrução se considere (como se considerou in casu ) material­ mente competente para decidir sobre o apenso ao processo de insolvência – em clara violação do principio do juiz natural – substituindo-se ao Meritíssimo Juiz 3 do Tribunal do Comércio de Lisboa, que está a neste momento, julgar o incidente de qualificação de insolvência culposa, apresentado pela assistente, que corre os seus termos sob o número 11833/15.3T8LSB junto do Tribunal do Comércio de Lisboa, e o Arguido entenda que não o é, por se acharem violadas as regras atributivas de competência material e, consequentemente, o princípio do juiz legal/ natural, negar ao Arguido o direito a um recurso ordinário sobre a questão, e, assim, o direito à intervenção de um Tribunal superior àquele que auto sindicou a sua competência, equivale a admitir, por via da norma aplicada, a ausência de tutela efetiva do direito ao juiz legal/natural na fase de instrução, tutela esta prevista no artigos 20.º, n.º 5, e 32.º, n.º 9, ambos da CRP. 3.º – Efetivamente, face à previsão da norma aplicada, das duas uma: a) ou através da norma aplicada se nega, em absoluto, o direito a uma reapreciação da questão da (in)com­ petência do Tribunal de Instrução Criminal, o que configuraria uma evidente ausência de tutela efetiva do núcleo essencial do principio, pois de nada valeria o pré-estabelecimento pela lei dos critérios objetivos atributivos da competência a um determinado Tribunal de Comércio, quando um qualquer outro Tribu­ nal Instrução Criminal, chamado a auto sindicar a sua competência pudesse potencialmente [de forma consciente ou por mero erro na aplicação do direito] violar tais critérios, arrogando-se à competência para apreciar o processo [em nítido desaforo do juiz legal], sem que ao Arguido se atribuísse o direito a recorrer da decisão assim tomada para um Tribunal superior; b) ou, através da norma aplicada [como se entendeu ser o caso na decisão sumária], se nega a existência de recurso na presente fase do processo, relegando para uma eventual fase posterior do mesmo a definitiva aferição da competência material do Tribunal de Instrução Criminal – cuja violação é rotulada pelo legisla­ dor infraconstitucional como nulidade insanável – o que redunda numa solução legal caótica, que endossa a (re)aferição do cumprimento das regras da competência do Tribunal de Instrução para uma putativa apreciação a realizar subsequentemente por um Tribunal hierarquicamente idêntico ao de Instrução (o de Julgamento), sendo que neste cenário, como o recurso relativo à questão do Juiz natural apenas subiria a final (vide artigo 407.º, n.º 1, a contrario sensu, do CPP), em caso de absolvição do Arguido após o julga­ mento em 1.ª instância, o mesmo deixaria de ter legitimidade para recorrer daquela decisão, solução legal que viola a tutela do princípio previsto no artigo 32.º, n.º 9, da CRP, violando os artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 5, ambos da CRP. 4.º – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos argui­ dos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.º, n.º 9 C.R.P. “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”).

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