TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

437 acórdão n.º 172/17 5.º – O princípio do juiz natural está sujeito ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias, os quais apenas podem ser restringidos por lei geral e abstrata (reserva de lei restritiva), e nos casos expressamente previstos na Constituição, não podendo a restrição “ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. 6.º – Esta exigência tem por objetivo “exercer uma função de advertência (Wamfunktion) relativamente ao legislador, tomando-o consciente do significado e alcance da limitação de direitos, liberdades e garantias, e cons­ tituir uma norma de proibição, pois sob reserva de lei restritiva não se poderão englobar outros direitos salvo os autorizados pela Constituição”. 7.º – A douta decisão sumária, que muito se respeita, viola ainda o direito do Arguido ao Recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 8.º – Efetivamente, à luz da Constituição o “recurso”, a que se refere o artigo 32.º, n.º 1, “ in fine ”, da CRP, não poderá deixar de ser um pedido de reapreciação, dirigido a um Tribunal hierarquicamente superior, relativamente a uma determinada questão apreciada por uma primeira instância judicial, sendo que, a competência e a hierarquia dos Tribunais, está expressamente prevista nos artigos 209.º a 211.º, todos da CRP, violando a decisão recorrida o conceito jurídico constitucional de recurso, ao endossar a eventual reapreciação da questão a um Tribunal da mesma hierarquia. 9.º – Aliás, mesmo se a questão da competência vier a ser recolocada e (re)examinada pelo Tribunal de Julga­ mento, o recurso de tal eventual decisão, liminar, interlocutória ou incluída na Sentença, apenas será mandado subir a final, sob o provável argumento de que a sua retenção não o toma absolutamente inútil (vide artigo 407.º, n.º 1, a contrario sensu, do CPP). 10.º – Pelo que, nesse caso, havendo condenação do Arguido, mesmo que se viesse a reapreciar a questão, e a confirmar em recurso a incompetência do TIC, o Arguido terá sido pronunciado e será submetido a julgamento por decisão de um órgão incompetente, com base numa decisão não definitiva, por compressão do direito ao juiz legal, e, por acréscimo, do “direito a não ser submetido a julgamento”, cuja existência se sabe “não é pacífica na jurisprudência do TC”, quando o Arguido a julgar se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). 11.º – É que, uma coisa é submeter o Arguido a julgamento face ao trânsito em julgado de uma decisão relativa aos indícios da prática do crime, à luz de um juízo indiciário insindicável por qualquer outro Tribunal e tendencial­ mente irreversível, outra, bem diferente, será submeter-se o Arguido a julgamento com base num juízo indiciário quando a validade da mesma decisão depende da competência do Tribunal de Comércio de Lisboa, questão esta que fica em aberto, e para (re) apreciar pelo Tribunal de Julgamento. 12.º – Neste caso, o que a norma permite é que se avance para o julgamento do Arguido sem que exista um mínimo de certeza jurídica quanto à subsistência/manutenção da própria decisão instrutória, e que se submeta o Arguido a julgamento nessas circunstâncias, afigurando-se materialmente inconstitucional tal compressão do direito à segurança jurídica, ao recurso, e ao princípio da presunção da inocência (artigos 32.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP), por a almejada tutela da celeridade não se revelar, face à previsão da norma em concreto, minimamente “compatível com as garantias de defesa”. 13. º – Por outro lado, havendo absolvição do Arguido, a norma aplicada admite, ao menos potencialmente, a possibilidade de: a) uma violação do princípio do juiz legal no que concerne à fase da instrução (por eventual erro na aplicação do direito ou consciente desaforamento do Tribunal competente), ao confiar em exclusivo a aferição do seu cumprimento ao Tribunal que auto sindica a sua (in)competência material, sem que a sua decisão seja passível de em tempo útil vir a ser feita qualquer reapreciação por um Tribunal superior [pois que, após a eventual absolvição, potenciada até por uma pronúncia infundada, o Arguido não terá sequer legitimidade para recorrer, por ausência de interesse em agir – vide artigo 401.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP]; e b) por via disso, viola o direito ao recurso sobre uma questão fulcral no âmbito dos direitos de defesa do arguido – a aferição da competência do Tribunal de Instrução Criminal para se pronunciar sobre processos que se encontram em curso junto do Tribunal do Comércio de Lisboa (artigo 32.º, n.º 9, da CRP), questão esta intimamente relacionada com a independência do Tribunal (artigo 203.º da CRP).

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