TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

465 acórdão n.º 195/17 «3. Face ao modo como o Decreto-Lei n.º 116/85 tramita o procedimento de obtenção da pensão (artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n. os 1, 2, 3, 5 e 7) pode suceder que, apesar de os pressupostos de aplicação do regime fixado neste diploma estarem reunidos antes da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, o processo seja enviado à Caixa Geral de Aposentações já depois de esta lei estar a vigorar. O subscritor desta Caixa apresenta requerimento a solicitar a aposentação nos termos do n.º 1 do artigo 1.º, acompanhado dos documentos comprovativos do tempo prestado, e é proferido despacho concordante no sentido da inexistência de prejuízo para o serviço antes da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, mas só depois desta data é que o processo é enviado à Caixa Geral de Aposentações. Por força do teor literal daquela norma transitória, nos termos da qual as novas regras não têm aplicação se os processos de aposentação forem enviados à Caixa Geral de Aposentações até à data da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, põe-se assim a questão da conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º desta lei, quando interpretadas no sentido de que aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, antes de 31-12-2003, hajam reunido os pressupostos para a aplicação do regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de abril, e tenham efetivamente requerido essa aplicação, deixa de ser reconhecido o direito a esse regime de aposentação pela circunstância de o respetivo processo ter sido enviado à Caixa, pelo serviço onde o interessado exercia funções, após a data da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004.  4. Apesar de reiterarem a jurisprudência do Tribunal no sentido de que “o facto de um interessado ter ingres­ sado na função pública no domínio de um determinado regime legal, designadamente em matéria de definição dos requisitos para a aposentação e das regras de cálculo das respetivas pensões, não lhe outorga o direito a ver inalterado esse regime durante todo o tempo, em regra várias décadas, que durar a sua carreira até atingir o seu termo por aposentação” (Acórdão n.º 158/08), as decisões que estão na base do presente pedido de generalização reconhecem que as normas que agora se apreciam apresentam “particularidades que conduzem a uma diferente ponderação” (Acórdão n.º 615/07, ponto 10.). Está em causa um direito, o direito à aposentação nos termos do Decreto-Lei n.º 116/85, que entra na titula­ ridade do interessado e é por ele efetivamente exercitado na plena vigência do regime instituído por este diploma, que o subscritor da Caixa Geral de Aposentações perde por haver demora no envio do processo a este organismo, demora a que o interessado é de todo alheio. Sendo certo que, como se assinala no Acórdão n.º 158/08, o funcio­ nário público está numa posição de alteridade em relação à entidade administrativa ao serviço da qual se encontra para efeitos do procedimento de atribuição de pensão de aposentação: “(…) neste domínio, o funcionário encontrase numa situação de autonomia subjetiva face à Administra­ ção. Na verdade, não é mais sustentável a conceção que reduzia o funcionário público a “elemento integrante do aparelho administrativo, objeto de supremacia absoluta da Administração, que define, com o legislador, autoritária e integralmente, o seu estatuto (de sujeição) especial” – o chamado sistema de inclusão (António Lorena de Sèves, “Os concursos na função pública”, em Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, vol. I, Braga, 1999, p. 49). Antes se reconhece que, pelo menos em certos domínios, a posição do funcionário face à Administração é, não de inclusão, mas de alteridade, que pressupõe a autonomia jurídica do funcionário. Impõese, assim, a distinção entre “relação orgânica” (o funcionário como órgão do aparelho administrativo) e “relação de serviço ou de emprego” (que, na conceção clássica de funcionário, era absorvida pela primeira), reconhecendo a esta, tal como às comuns relações de trabalho, uma tutela jurídica específica, quer na contraprestação que constitui a remuneração, “quer com todas as outras situações que se repercutem em termos económicos na esfera do agente ( v. g. , qualificação profissional, carreira, férias, duração do trabalho, segurança social, etc.)” (Francisco Liberal Fernandes, Autonomia Coletiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de Emprego Público, Coimbra, 1995, pp. 107108). A revisão constitucional de 1982, ao mudar a expressão “funcionários e agentes do Estado e das demais entida­ des públicas”, constante do primitivo artigo 270.º, n.º 1, para “trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas”, do novo artigo 269.º, tornou claro que nenhum argumento justi­ fica “não considerar os funcionários públicos como trabalhadores, para efeitos de titularidade dos correspondentes

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=