TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

468 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, o Estado de direito não está apenas vinculado a acautelar a confiança que inspirou nos cida­ dãos. Está também vinculado a inspirar essa confiança, o mesmo é dizer, a criar as condições possíveis e indis­ pensáveis para que estes possam planear as suas vidas e realizar investimentos em segurança. Trata-se aqui da vertente prospetiva da segurança: a previsibilidade do comportamento estadual e a consequente determina­ bilidade das consequências jurídicas das decisões dos particulares. Um Estado cujo poder executivo não se contém nos limites da legalidade; cujas leis são sistematicamente secretas, obscuras e vagas; cujos tribunais não são independentes; ou cujos regimes legais admitem exceções invocáveis ad nutum ; um tal Estado, como é fácil de reconhecer, não inspira qualquer confiança nos cidadãos – e, por essa razão, não pode dizer-se que lese a confiança que neles gerou –, mas nem por isso deixa de postergar a segurança que a submissão do poder público ao direito impõe. Por outras palavras, o Estado de direito está simultaneamente vinculado a salvaguardar a confiança que inspirou nos cidadãos (vertente retrospetiva) e a inspirar neles confiança na previsibilidade e na integridade do seu comportamento (vertente prospetiva). À luz desta vertente prospetiva da segurança jurídica, é evidente que a solução contida no artigo 43.º, n.º 1, do EA, é constitucionalmente censurável. Nas palavras do Acórdão n.º 615/07, que devem ser lidas mutatis mutandis : «[a] aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na álea administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente do acaso e de não de qualquer critério objetivo, o que viola o princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP)». Estas considerações são ainda mais cogentes no caso da norma em apreço. Por um lado, ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento deter­ minante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do devir legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação. É certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do EA, o requerente pode desistir do pedido de aposentação até à data em que seja proferido o despacho a reconhecer o respetivo direito, pelo que a sua decisão não é irreversível; mas nem essa reversibilidade neutraliza os efeitos negativos da incerteza, na medida em que esta persiste no momento em que é exercido o direito, nem ela é inteiramente controlável pelo requerente, porque a sua efetividade está condicionada pela álea administrativa do momento da prolação do despacho. Em suma, no momento em que decide aposentar-se, o funcionário não sabe com o que pode contar, nem mesmo sabe se é do seu interesse aposentar-se. Por outro lado, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas subtrai ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como se reserva a faculdade de, através da decisão discricionária quanto ao momento da prolação do despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. É imaginável, por exemplo, que, estando em preparação legislação destinada a alterar as fórmulas de cálculo das pensões de aposentação em sentido desfavorável aos interes­ sados, e implicando semelhante alteração uma poupança significativa de recursos públicos, sejam dadas instruções para que os processos pendentes não sejam despachados até à entrada em vigor do novo regime. Semelhante possibilidade de manipulação, ainda que meramente teórica, constitui um fator adicional de insegurança para os destinatários, porque à imprevisibilidade das consequências das suas decisões soma-se o risco de o Estado poder intervir ad nutum , e no seu próprio interesse, no sentido de precipitar um cenário desfavorável. Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, pois, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica. É assim de concluir que a norma sob apreciação viola o princípio da segurança jurídica, ínsito no prin­ cípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. 13. Para além do que ficou dito, cabe apreciar se, como afirma a sentença recorrida, a título secundá­ rio ou alternativo, o segmento aqui relevante do n.º 1 do artigo 43.º do EA viola o princípio da igualdade. Semelhante entendimento foi seguido no Acórdão n.º 186/09, o qual reproduziu de forma abreviada a

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=