TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «A verdade é que não há qualquer necessidade de recorrer a essa «interpretação extensiva», ou a tal «interpre­ tação analógica», sendo que, e além do mais, ela não se mostra necessária para assegurar a dita «independência no exercício de funções» por parte dos juízes de paz. […] Os «julgados de paz», na sua vertente hodierna, são pois verdadeiros tribunais, onde se pratica uma «justiça alternativa», muito marcada pela «proximidade» e pelas «tentativas de acordo» através das fases de mediação e de conciliação. E o certo é que este enquadramento, natureza, e teleologia, constitucionalmente radicados, permitem distinguir entre tribunais judiciais e julgados de paz, além do mais porque, como decorre do sucintamente exposto, os «tribunais judiciais continuam a ser os tribunais paradigma de órgão de soberania». Compreende-se, destarte, que os titulares dos julgados de paz não sejam juízes «de direito» mas juízes «de paz», com todas as implicações que daí decorrem. Eles exercem a função jurisdicional, administrando a justiça em nome do povo, e as suas decisões têm valor de sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância [61.º – Lei n.º 78/2001] e são impugnáveis por via de recurso para o tribunal de comarca ou para o tribunal de competência específica territorialmente compe­ tente [62.º – Lei n.º 78/2001]. Todavia, não são magistrados judiciais, nem estão abrangidos pelo estatuto constitucional a estes reservado, nos artigos 215.º e seguintes da CRP, enquanto «corpo único» que se rege por um «único estatuto». E mesmo o seu regime remuneratório é remetido para vencimentos da função pública [artigo 28.º – Lei n.º 78/2001]. Mas por exercerem funções jurisdicionais, não a título meramente ocasional ou esporádico, mas «a título permanente» no tempo que dura o seu «provimento», torna-se necessário, obviamente, prever medidas preordenadas a garantir a sua isenção e independência no exercício da função. Por isso mesmo estão sujeitos ao «regime de impedimentos e suspeições» estabelecido na lei de processo civil para os juízes de direito, isto é, apenas nos processos em concreto [artigo 21.º da Lei n.º 78/2001], e por isso mesmo, também, no que concerne à aplicação subsidiária do regime da função pública [29.º da Lei n.º 78/2001], nunca para eles poderá resultar uma situação de subordinação hierárquica, no exercício das suas funções, seja a que poder for. Temos, assim, que os juízes de paz, enquanto titulares dos órgãos de soberania julgados de paz, profissio­ nalmente dedicados a essa tarefa, em exclusividade de funções [27.º – Lei n.º 78/2001], e sujeitos ao regime de impedimentos e suspeições dos demais juízes, são verdadeiros «juízes», mas diferentes dos juízes de direito em efetividade de funções. E se as garantias de independência operam em todas as hipóteses de exercício do poder jurisdicional, pelo que também para juízes de paz se impõem medidas necessárias e idóneas a tornar a respetiva função «autónoma e independente em relação aos demais poderes», certo é que elas não terão, necessariamente, de coincidir com o âmbito das previstas para os juízes de direito. E daqui ressuma, cremos, que mesmo dando de barato a possibilidade, que não adotamos, da «letra da lei» admitir uma outra interpretação dos artigos 25.º e 29.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, diferente da adotada em 7 supra, afigura-se incontornável, face aos elementos sistemáticos e teleológicos que acabamos de referir, em síntese muito conclusiva, que a interpretação feita pela 2.ª instância, no acórdão recorrido, não se poderá manter, o que significa que o julgamento a respeito do apontado vício de violação do princípio da independência dos juízes e dos tribunais deve ser julgado improcedente, e também nessa parte revogado o acórdão recorrido.» (vide ibidem , o n.º 8 da fundamentação) Em suma, num recurso de constitucionalidade respeitante a decisão que tenha revogado uma outra, favorável ao recorrente, justamente em razão de uma interpretação conforme à Constituição, e em que o mesmo recorrente tenha defendido perante o tribunal a quo tal interpretação conforme, não se pode dizer que aquele tenha abandonado a questão da inconstitucionalidade. Aliás, exigir-lhe, nesse circunstancialismo, que tivesse colocado perante o mencionado tribunal a quo a questão da inconstitucionalidade, como se a mesma não tivesse sido resolvida a seu favor pela instância anteriormente recorrida, afigura-se desnecessário

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