TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

493 acórdão n.º 105/17 «(…) II.6. A validade da Cláusula 102.3 do Contrato de Concessão 80. A análise antecedente permitiu identificar as razões justificativas do regime constante do artigo 45.º, n.º 3, bem como fixar o sentido juridicamente relevante da cláusula 102.3 do Contrato de Concessão. A solução a que chegamos permite encontrar a justiça substancial do regime contratualmente disposto. Mas, perguntar-se-á, é a matéria dos efeitos da recusa de visto a um contrato que o Estado determinou ser pre­ viamente executado suscetível de ser regulada pela autonomia privada? A autonomia privada, apesar da sua eficácia jurígena imanente, não encontra, em face da matéria em presença, limites que a desgraduem? Esta questão tem de ser enfrentada, uma vez que o Demandado estriba parte significativa da sua defesa, quer na invalidade da cláusula 102.3, quer na inconstitucionalidade da regra que a sustenta, a saber a Base XCVIII, n.º 3, das Bases da Concessão do Troço Poceirão-Caia da Rede Ferroviária de Alta Velocidade, que foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 4 de abril. Deste modo, o Demandado, tanto visa atingir diretamente a cláusula, tentando desgraduá-la enquanto fonte juridicamente válida de imputação de despesas ao Estado, como pretende atingi-la de forma indireta, considerando inquinada a fonte que lhe conferiria juridicidade. No fundo, o que resulta alegado é a invalidade da cláusula 102.3 por violação do artigo 45.º, n.º 3, que seria uma regra injuntiva, e a inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 4 de abril, por este violar uma série de reservas de competência legislativa da Assembleia da República, e ainda princípios fundamentais da ativi­ dade administrativa. De um modo sintético, quer por violação de regra injuntiva, quer por inconstitucionalidade da sua fonte legal, a cláusula 102.3 não poderia valer. Cremos ser este o resultado pretendido pelo Demandado quando se defende na ação. Antecipando as conclusões da análise que se empreenderá, diremos que nenhuma das razões invocadas pelo Demandado procede. Por um lado, enquanto a cláusula se insere no âmbito de proteção do particular sempre e já assegurado pelo aludido artigo 45.º, n.º. 3, ela não pode deixar de ser válida como o é aquela norma. De todo o modo, mesmo na amplitude mais vasta que assume, a cláusula 102.3 do Contrato de Concessão é válida uma vez que não viola nenhum dos limites à autonomia privada, nela encontrando a razão da sua juridicidade, sendo, também, conforme à Constituição o diploma em que foi publicada a Base XCVIII, n.º 3 das Bases da Concessão, a saber, o Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 4 de abril, que aquela cláusula reproduz. 81. Na presente ação, a Demandante configura um concurso de títulos de aquisição da prestação, fundando o seu direito a uma compensação, primeiramente, na cláusula 102.3 do Contrato de Concessão e, subsidiariamente, no art. 45.º, n.º 3 da LOPTC, aliado à impossibilidade de cumprimento. O fundamento da ação não é a Base XCVIII.3 da Concessão, o que se compreende uma vez que aquilo que está em causa é a aferição dos efeitos de um concreto contrato administrativo – o Contrato de Concessão – celebrado entre Demandante e Demandado no que tange à conformação do dever de compensar custos. Por esta razão, e ainda que se possa afirmar que o Estado-administração não pudesse afastar-se daquilo que esse mesmo Estado-administração, agora no uso da sua compe­ tência legislativa, determinara – na sequência de negociações ocorridas entre Demandante e Demandado ao longo do procedimento administrativo que antecedeu a celebração do Contrato e mesmo da publicação do Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 4 de abril –, o contrato administrativo celebrado ganha autonomia jurídica. A Demandante, não obstante referir a Base XCVIII.3 da Concessão, não funda nela a sua pretensão, pelo que aquilo que haverá que perguntar, com eficácia determinante para a aferição da procedibilidade da pretensão à compensação, é se a cláusula 102.3 do Contrato pode valer. E se a resposta for positiva, será nesta – ou, dito com maior rigor, na autonomia privada – que vai encontrar-se o fundamento jurídico da pretensão. Porém, porque o Demandado suscita, na sua contestação, como razão invalidante da cláusula 102.3 do Con­ trato, a inconstitucionalidade da Base em que esta se apoia, não deixará o Tribunal de extrair consequência a pro­ pósito do fundamento invocado – a Cláusula – para a valia jurídica da Base. Reitere-se, porem, que não esta em causa, segundo o modo como foi configurada a ação, a verificação da conformidade constitucional de um concreto diploma legal, mas sim a discussão relativa à validade de certa cláusula de um concreto contrato administrativo. Dito de outro modo, o título em que a Demandante, ao abrigo do dispositivo, fundou a sua pretensão foi o contrato administrativo – sc., certa cláusula de certo contrato administrativo –, e não o diploma que aprovou as

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