TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

496 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, isto é o que justamente acontece com os preceitos legais de conteúdo individual e concreto, ainda mesmo quando possuam eficácia consuntiva. Podem eles, na verdade, conter ou esgotar a sua própria execução: nem por isso, no entanto, deixam de cre­ denciá-la normativamente (legalmente) e de fornecer o critério para a sua apreciação sub specie juris. E isto ainda quando representem uma aparente desnecessidade normativa, atenta a existência de preceito geral anterior even­ tualmente aplicável: é que este outro preceito, em toda a medida em que por eles for «coberto» e «substituído», passa então a ser irrelevante para o caso. Ao fim e ao cabo, o que sucede é que também os preceitos com a natureza agora considerada têm como parâ­ metro de validade imediato, não a lei (outra» lei), mas a Constituição. Nada justifica, por consequência, que o seu exame escape ao controlo específico da constitucionalidade – é dizer, à jurisdição e à competência deste Tribunal” (…). 17. Ora, no contexto do caso concreto, a Base XCVIII, ponto 3, das Bases da Concessão aqui relevantes, assume a natureza de ato administrativo – entendimento que o Reclamante defendeu, nos autos, a título principal, sem prejuízo de, a título subsidiário, também ter acautelado o entendimento diverso, ou seja, a hipótese de se considerar que adquire a natureza de norma legal – e constitui, sem qualquer dúvida, “uma «regra de conduta» ou um «critério de decisão» para os particulares, para a Administração e para os tribunais”. 18. É assim porque, “em caso de recusa de visto prévio pelo Tribunal de Contas” – como ocorreu, no caso con­ creto –, o Estado Português, aqui Reclamante, na qualidade de Concedente, seria responsável por todos os custos e despesas comprovadamente incorridas pela Concessionária com a realização de todas as atividades e investimentos para a prossecução do objeto do Contrato de Concessão, incluindo quaisquer custos incorridos com a Proposta e bem assim com a proposta inicialmente apresentada, as despesas e encargos inerentes à obtenção de fundos necessários à realização de investimentos, bem como os custos e despesas que, em resultado da referida recusa de visto, forem comprovadamente incorridos pela Concessionária com a resolução antecipada dos instrumentos de cobertura de risco de taxa de juro por esta contratados no âmbito do Contrato de Financiamento (...)” (cfr. a Base XCVIII, ponto 3, das Bases da Concessão do Troço Poceirão-Caia da Rede Ferroviária de Alta Velocidade, aprova­ das – renova-se – pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 4 de abril). 19. Dito de modo claro, verificada uma recusa de visto prévio por parte do Tribunal de Contas, como se veri­ ficou, aplicar-se-ia a Base XCVIII, ponto 3, das referidas Bases, responsabilizando-se o Reclamante por um leque infindável e injustificado de dispêndios. Foi isto que o Tribunal de Contas enjeitou, constituindo um dos principais motivos para a recusa de “visto prévio”. 20. A natureza de “regra de conduta” ou de “critério de decisão” é, pois, bem visível, seja no plano dos particu­ lares (o mesmo é dizer, no plano da A., enquanto Concessionária), no plano da Administração (o mesmo é dizer, no plano do Estado-Administração, aqui Reclamante) e inclusivamente no plano dos próprios tribunais, em caso de litígio, como sucedeu in casu . 21. Acompanha-se, assim, inteiramente o entendimento do Senhor Professor Doutor Paulo Otero que, em linha com a Declaração de Voto que proferiu no contexto do Acórdão Arbitral, reiterou, na Declaração de Voto emitida por reporte ao Despacho Reclamado, que “a natureza não normativa do ato, uma vez que reveste a forma de decreto-lei, não impede a sua sujeição a controlo de constitucionalidade, tal como constitui jurisprudência do Tribunal Constitucional” (cfr. a página 15). 22. Fica, deste modo, inteiramente demonstrada a improcedência do primeiro argumento, pelo qual o Tribu­ nal Arbitral não admitiu o recurso de constitucionalidade quanto à norma ínsita na Base XCVIII, ponto 3, das Bases da Concessão do Troço Poceirão-Caia da Rede Ferroviária de Alta Velocidade. 23. No que concerne ao segundo argumento, supra referido, mobilizado pelo Tribunal Arbitral (a Base XCVIII, ponto 3, das aludidas Bases, não teria constituído ratio decidendi do Acórdão Arbitral), a conclusão a alcançar não difere, minimamente, da exposta no ponto anterior. 24. É assim, desde logo, em face de um dado absolutamente capital: a cláusula 102.3 do Contrato de Conces­ são aqui relevante reproduz, ipsis verbis , a Base XCVIII, ponto 3, das Bases da Concessão, supra identificadas. Nada, rigorosamente nada, distingue uma da outra.

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