TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

503 acórdão n.º 105/17 10. Definidos os termos da análise, cumpre agora decidir a questão. Como se viu, o tribunal a quo não admitiu o recurso por entender que a norma cuja constitucionalidade é posta em causa pelo recorrente não foi por si aplicada, já que a solução que alcançou se apoiou apenas na cláusula n.º 102.3 do Contrato. Ora, não cabe ao Tribunal Constitucional questionar tal entendimento. Cabe-lhe apenas, nesta sede e no âmbito da presente reclamação, julgar se a norma cuja constitucionalidade é contestada pelo reclamante foi ou não aplicada como ratio decidendi ou, pelo menos, se a apreciação da sua constitucionalidade pode ou não repercutir-se sobre a decisão recorrida. Recorde-se, a este propósito, que este pressuposto do recurso de constitucionalidade decorre da fun­ ção instrumental da fiscalização concreta. Dada a natureza incidental daquele, apenas se pode reconhecer relevância à apreciação da questão de constitucionalidade quando a pronúncia do Tribunal Constitucional se repercuta, de forma útil e efetiva, sobre a decisão recorrida, implicando a sua reforma caso o juízo deste Tribunal seja contrário àquele que, explícita ou implicitamente, tiver sido feito pelo tribunal recorrido. No caso concreto, não há dúvidas de que, de forma explícita, o tribunal a quo aplicou, como ratio deci- dendi , a cláusula n.º 102.3 do Contrato, explicitando que esta – enquanto emanação do princípio da auto­ nomia privada – constitui base jurídica independente e suficiente da obrigação contratual de compensação de custos e despesas. Mas a questão decisiva, a que importa responder, é a seguinte: caso o tribunal a quo chegasse à conclusão – ou esta lhe fosse imposta por via de recurso – de que a Base XCVIII é inconstitucional, manteria incólume o sentido e teor da sua decisão? Dito de outra forma: a validade e a eficácia da cláusula n.º 102.3 do Con­ trato, enquanto título jurídico da obrigação de compensação, poderia subsistir nos seus precisos termos caso a Base XCVIII soçobrasse por inconstitucionalidade? Da resposta a essa questão dependerá a utilidade do conhecimento do objeto do recurso de constitucio­ nalidade e, assim, a sua eventual admissibilidade. Ora, sendo a questão em causa matéria única e exclusivamente de direito ordinário, sobre a mesma não se deverá pronunciar o Tribunal Constitucional. A resposta deve ser procurada na decisão que o tribunal a quo tenha tomado quanto à relação de dependência que intercede entre a Base XCVIII e a cláusula n.º 102.3 do Contrato. Assim é por duas razões. Em primeiro lugar, porque «[n]ão cabe à jurisdição constitucional, em princípio, sindicar a interpretação que os tribunais comuns fazem da lei ordinária. Assim é porque o Tribu­ nal Constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem respeito à interpretação de uma lei diferente das outras – a lei constitucional– e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.» (Acórdão n.º 677/16). Em segundo lugar, e de forma particular­ mente decisiva neste caso, porque a utilidade do recurso, ou seja, a suscetibilidade de o seu julgamento de mérito se projetar de forma relevante sobre a decisão recorrida, depende precisamente do entendimento que o tribunal a quo faça dessa relação, na medida em que é a este que cumpre extrair as consequências jurídicas de uma decisão de inconstitucionalidade. Vale isto por dizer que, se o tribunal a quo afirmar em termos categóricos a independência jurídica da cláusula n.º 102.3 do Contrato relativamente à Base XCVIII, o recurso de constitucionalidade perde qual­ quer efeito útil, já que deixa de ser possível prefigurar a eventual modificação da decisão recorrida em virtude do desfecho daquele. Apenas naqueles casos em que o tribunal recorrido se não pronuncia expressamente sobre a relevância de uma certa norma na sua decisão, poderá o Tribunal Constitucional, no uso da sua competência de con­ trolo dos pressupostos do recurso de constitucionalidade, impor o seu entendimento sobre a relevância de tal norma na economia da decisão recorrida. 11. No acórdão recorrido afirma-se que «o título em que a demandante, ao abrigo do dispositivo, fundou a sua pretensão foi o contrato administrativo – sc ., certa cláusula de certo contrato administrativo

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