TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

506 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Da resposta a essa questão dependerá a utilidade do conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade e, assim, a sua eventual admissibilidade. Ora, sendo a questão em causa matéria única e exclusivamente de direito ordinário, sobre a mesma não se deverá pronunciar o Tribunal Constitucional. A resposta deve ser procurada na decisão que o Tribunal a quo tenha tomado quanto à relação de dependência que intercede entre a Base XCVIII e a cláusula n.º 102.3 do Contrato. (…) Em segundo lugar, e de forma particularmente decisiva neste caso, porque a utilidade do recurso, ou seja a suscetibilidade de o seu julgamento de mérito se projetar de forma relevante sobre a decisão recorrida, depende precisamente do entendimento que o Tribunal a quo faça dessa relação, na medida em que é a este que cumpre extrair as consequências jurídicas de uma decisão de inconstitucionalidade. Vale isto por dizer que, se o Tribunal a quo afirmar em termos categóricos a independência jurídica da Cláusula n.º 102.3 do Contrato relativamente à Base XCVIII, o recurso de constitucionalidade perde qualquer efeito útil, já que deixa de ser possível prefigurar a eventual modificação da decisão recorrida em virtude do desfecho daquele». O Acórdão que fez vencimento remete os critérios para apurar a verificação dos pressupostos de recor­ ribilidade para a “autoridade” de um tribunal arbitral acerca da utilidade do recurso, entendendo que um eventual juízo de inconstitucionalidade sobre a Base XCVIII seria inútil porque o tribunal recorrido assim o tinha declarado, desta forma invertendo a posição de supremacia do Tribunal Constitucional perante os outros tribunais. Ou seja, fez derivar a resposta quanto à utilidade do recurso de constitucionalidade para a decisão do caso concreto (e, em consequência, quanto à admissibilidade do próprio recurso) da posição do tribunal recorrido a respeito da relação jurídica entre a cláusula n.º 102.3 e a Base XCVIII. Contudo, mesmo que o tribunal recorrido afirme – como afirmou – que aplicou ao caso a cláusula n.º 102.3, que classificou como um ato de autonomia privada, a verdade é que esta consubstancia a mera execução do estipulado num ato com força de lei (Decreto-Lei n.º 33-A/2010, de 14 de abril), reproduzindo integralmente e ipsis verbis o conteúdo dispositivo estipulado na Base XCVIII, inserida no citado Decreto-Lei, verificando-se aqui uma heterovinculação administrativa a um comando do legislador. Com efeito, o que o recorrente impugna é diretamente o regime jurídico da recusa de visto prévio pelo Tribunal de Contas, independentemente da forma como ele é designado pelo tribunal recorrido, até porque não se verifica a sepa­ ração entre contrato e ato normativo defendida pelo tribunal recorrido. É que, estando em causa uma cláu­ sula de contrato administrativo com força de lei, não se pode afirmar, como faz o tribunal recorrido, que a questão jurídica por si dirimida se processa em contexto contratual e não normativo. Não se trata, portanto, de uma questão de determinação do regime jurídico aplicável nem de interpretação de direito ordinário, como alega o Acórdão do Tribunal Constitucional para não admitir o recurso de constitucionalidade, mas da questão de saber se a solução normativa que regula os efeitos da recusa de visto do Tribunal de Contas, alargando a responsabilidade do Estado, está ou não de acordo com a Constituição, não pressupondo esta questão qualquer opção prévia do acórdão recorrido quanto à lei aplicável. Por outro lado, e diferentemente do que afirma o Acórdão, na eventualidade de este comando legislativo estar ferido de inconstitucionalidade, tal juízo teria necessariamente de se repercutir na cláusula contratual que o reproduz, padecendo ela também de inconstitucionalidade consequente ou derivada. Não se pode, pois, afirmar ser inútil um eventual juízo de inconstitucionalidade, pois caberia sempre ao tribunal arbitral cumprir as orientações do Tribunal Constitucional a este propósito, ao abrigo do artigo 80.º, n. os 2 e 3, da LTC – ordenar a baixa dos autos ao tribunal de onde provieram, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou, no caso de o juízo de inconsti­ tucionalidade sobre a norma se fundar em determinada interpretação da mesma, a mandar aplicar de acordo com a interpretação por si definida) – poderes de que não pode abdicar por efeito de declaração do tribunal recorrido acerca da inutilidade do recurso. Por último, tendo sido aplicada uma norma que define a responsabilidade do Estado, para os casos de recusa de visto do Tribunal de Contas, está em causa a forma como o Estado despende o dinheiro público ou

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=