TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017
51 acórdão n.º 176/17 «[2.5. Assim], não pode desconsiderar-se o facto de o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos qua tale assumir como fundamento subvencional do financiamento público a realização dos seus fins próprios independentemente da afetação de recursos relativos à prossecução de uma atividade parlamentar. Na verdade, ainda que a representatividade na Assembleia da República seja assumida como critério do mon- tante subvencional a atribuir pelo Estado, é manifesto que a ratio , subjacente a tal financiamento, não tem a natu- reza instrumental da subvenção que é concedida para realização de fins estritamente parlamentares e que a estes está funcionalmente condicionada. Tal especificidade não deixou de ser assumida pelo legislador ordinário que, na Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, prevê que a subvenção pública para financiamento dos partidos políticos seja concedida, também, aos que “tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50 000, desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da Repú- blica”. No fundo, trata-se, aqui, de acolher a particular relevância político-jurídica dos partidos ao nível da “repre- sentação política global da coletividade”, como veículos de “formação e expressão da vontade popular”, “projetada para o povo como elemento do Estado-coletividade” (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no direito constitucional português, cit. pp. 444 e segs.). Contudo, é igualmente inegável que o sistema constitucional reserva aos partidos políticos um importante papel ao nível da “participação no funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído” – aí se integrando a “que se efetua através dos órgãos de soberania, a que se exerce noutros órgãos do Estado e ainda a que respeita aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas” (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no direito constitucional português , cit., p. 446). E, nessa participação, vai assumido um conjunto de “diferenças sensíveis” que demarcam a atuação dos partidos solus ipse da que é institucionalmente enquadrada como dimensão componente – e constitutiva – do funcionamento dos próprios órgãos do Estado. Por outro lado, acentuando agora a especificidade da representação de cariz parlamentar, não deixa de resultar dos pertinentes dados constitucionais que a intervenção dos partidos, nesta sede, é, em boa medida, mediatizada pelos grupos parlamentares que assim se configuram como específicos sujeitos da atividade, organização e funcio- namento do órgão parlamentar – como se entendeu no já referido Acórdão n.º 63/91. E dessa estruturação da orgânica – e da dinâmica – parlamentar (por alguns entendida como uma “estruturação grupocrática” – cfr. José Luis García Guerrero, Democracia representativa de partidos y grupos parlamentarios, cit., p. 411), mesmo reconhe- cendo-se que os grupos parlamentares são “uma [ideo]lógica emanação dos partidos” (cfr. a Sentencia n.º 36/90 do Tribunal Constitucional espanhol, onde, apesar disso, se reconhece ser “indubitável a relativa dissociação con- ceptual” e a “independência de vontades presente em ambos”) e um interface na realização do fim supra referido, decorrerá, também entre nós, uma forçosa ponderação diferenciadora entre as condições de funcionamento dos partidos – a que concernem as subvenções outorgadas no seio do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003 – e as condições de funcionamento dos órgãos de natureza parlamentar, norteadas pelo quid specificum de estarem instrumentalizadas, vinculadas e predispostas ao funcionamento desse complexo orgânico. E, assim, enquanto as primeiras são compreendidas no âmbito de uma escolha-opção legiferante na composi- ção de um modelo de financiamento da atividade partidária, as segundas não podem deixar de ser reclamadas pela própria natureza das coisas, não só em função do exercício da função parlamentar, mas igualmente atendendo às exigências materiais que aí vão assumidas e que são vistas como condição de dignidade desse exercício e dos seus resultados.» 9. Esta linha de pensamento foi mantida no Acórdão n.º 26/09 – votado por unanimidade no que se refere à legitimidade constitucional da distinção entre os dois tipos de subvenção considerados – e constitui uma base expressamente assumida por diversas decisões proferidas pelo Tribunal em sede de fiscalização de contas dos partidos políticos (vide, em especial, os Acórdãos n. os 515/09, 498/10, 394/11, 711/13, 314/14 e 535/14, todos igualmente votados por unanimidade).
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