TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

537 acórdão n.º 32/17 públicos”), tornando esta doutrina jurisprudencial na mais acertada concretização do programa legislativo em causa. E tal solução hermenêutica, como tentaremos demonstrar, não foi prejudicada pela superveniência do n.º 2 do artigo 1.º do EGP (…)». (…) «Com efeito, primeiramente, importa notar que os diplomas legais em causa (CRPTCP e EGP), são estrutural e funcionalmente autónomos, sem prejuízo de uma virtual conexão entre ambos, estritamente confinada à expres­ são (e definição legal de) “gestor público”. Com efeito, têm forma legal e emanam de autoridades normativas diversas (lei da Assembleia da República; decreto-lei do Governo). Os respetivos destinatários são diferenciados (de âmbito geral, titulares de cargos políticos, equiparados e altos cargos públicos; de âmbito particular, gestores públicos). Os conteúdos normativos são, por outro lado, distintos (um dever especial, de declaração; um “estatuto” de direitos, deveres, sujeições, competências e regalias, sendo certo que no estatuto do gestor público não se prevê o dever de declaração da riqueza, porém já contém disposições expressas sobre o paralelo dever específico “incompa­ tibilidades e impedimentos”, EGP, art. 22.º). Finalmente, mas não menos importante, a teleologia de cada um dos dois diplomas em causa é própria e dife­ renciada (controle público, da riqueza de titulares de cargos políticos, equiparados e altos cargos públicos, por um lado; estatuto dos gestores públicos, por outro). Portanto, vale aqui o argumento da sede da matéria (sedes materiae), ou seja, em virtude da sua colocação sis­ temática em sede do EGP, e não havendo indícios perentórios de um intuito legislativo visando a irradiação dessa ressalva conceitual, deve a mesma ficar circunscrita a esse domínio estatutário (…)». «Depois, o próprio plano literal corrobora tal entendimento, pois o texto é explícito ao demarcar o seu âmbito de competência ao “presente decreto-lei”, ou seja, ao Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na redação que por último lhe tinha sido conferida pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de janeiro (EGP)». «Por outra parte, a consideração dos procedimentos de supervisão bancária da União Europeia, a que se alude na exposição de motivos e no texto em causa não tolhe, nem pode tolher, o regime interno do controlo público da riqueza».  (…) «É verdade que, sendo assim, estarão atualmente em vigor dois conceitos legais diferenciados de “gestor público”: um, para efeitos de (ressalva) da aplicação do EGP, compreendo a definição legal do n.º 1, derrogada nos termos n.º 2 do artigo; e outro, para efeitos de aplicação do regime jurídico do CPRTCP, que compreende apenas a definição legal expressa, como princípio geral, no n.º 1 do aludido preceito. Porém, isso não consubstanciará, atentas as diferenças materiais das questões jurídicas em jogo em cada um dos domínios em causa, uma incoerência normativa e valorativa do plano legislativo em causa. Com efeito, como observa agudamente a melhor doutrina, do que se trata em rigor é de uma instância de “contradições de técnica legislativa” (…)». (…) «Contradição valorativa existiria, sim, com severa quebra da “unidade da ordem jurídica no seu aspeto mate­ rial”, enquanto referida ao postulado da “coesão intrínseca entre as normas, à coerência valorativa dos respetivos conteúdos” (Baptista Machado, Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis (Limites das Leis e Conflitos das Leis), reimpressão, Almedina, Coimbra, 1988, 212 a 214 (212) (…), em caso de aplicação da derrogação sin­ gular e material da definição legal expressa no artigo 1.º, n.º 2, cit., em apreço. Pois devendo os ora requerentes, enquanto membros do conselho de administração da CGD, SA, por excelên­ cia e “materialmente”, ser considerados como “gestores públicos”, no sentido da definição legal (…), não estariam, ainda assim, abrangidos pelo regime jurídico em causa, diversamente de todos os demais gestores públicos [art. 4.º, n.º 3, alínea a) ]. E, o que seria ainda mais incoerente, que os mesmos estivessem exonerados desses deveres de

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