TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

545 acórdão n.º 32/17 Independentemente da bondade e razoabilidade de tal justificação, o que importa destacar, no âmbito do caso sub juditio, é que a finalidade da exceção à aplicação do EGP nada tem que ver com a sujeição dos administradores em questão aos deveres impostos pela Lei n.º 4/83. Com efeito, do EGP constam diversas obrigações, mas entre estas não se conta nenhuma que se relacione de alguma forma com a declaração de património e rendimentos prevista no artigo 1.º da Lei n.º 4/83. Além do mais, como vimos, a inclusão nesta lei de uma menção aos gestores públicos nunca teve como razão justificativa a circunstância de a estes se aplicar o EGP. O recurso ao conceito de gestor público constitui, simplesmente, um meio de, sinteticamente, abranger uma série de entidades a quem os deveres contidos na Lei n.º 4/83 são de aplicar. 14. Uma conclusão sobra, assim, clara: do Decreto-Lei n.º 39/2016 não resulta a exclusão dos adminis­ tradores da CGD do âmbito de aplicação da Lei n.º 4/83. À mesma conclusão podemos chegar por força de outros tópicos interpretativos, também eles bastantes para a sustentar. Até à entrada em vigor da mais recente alteração ao Decreto-Lei n.º 71/2007 havia uma coerência quanto ao universo de destinatários entre os três diplomas legislativos relevantes nesta matéria, a que corres­ pondia uma harmonia valorativa: a Lei do Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, o Estatuto do Gestor Público, o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial. A Lei n.º 4/83, na redação da Lei n.º 38/2010, refere-se, nas alíneas a) e b) do artigo 4.º, n.º 3, respetivamente aos gestores públicos e aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este. No sentido de que recebia e assumia o conceito de gestor público com o sentido e extensão com que era desenhado no EGP então em vigor. O EGP, por sua vez, definia o conceito de gestor público recorrendo à noção de empresa pública constante do regime jurídico do setor público empresarial. Este regime jurídico contém também a definição de empresa participada. Assim, para efeitos da alínea a) do artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 4/83, gestores públicos eram os administradores das empresas públicas como tal definidas pelo Decreto-Lei n.º 133/2013. Para efeitos da alínea b) do mesmo artigo 4.º, n.º 3, «titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este», eram os administradores, designados pelo Estado, das empresas participadas, como tais definidas pelo Decreto-Lei n.º 133/2013. A exceção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/2016 veio alterar esta situação de congruência entre os três diplomas. Nem todos os administradores das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 133/2013 estão agora sujeitos ao EGP. Ora, se essa exceção pode eventualmente justificar-se para efeitos do EGP, não faz sentido no contexto valorativo da Lei n.º 4/83. Desde a versão originária da Lei de Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, os ges­ tores de empresas públicas sempre estiveram obrigados aos deveres de transparência nela previstos (ainda que, nessa data, o conceito de empresa pública fosse mais restrito do que o atual). Este foi sempre o patamar mínimo de exigência, que o legislador, posteriormente (através da Lei n.º 25/95), considerou conveniente alargar a outros gestores, também eles ocupados da gestão de interesses públicos. Nesta medida, a alínea b) do artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 4/83, na sua versão atual, deve ser entendida como um alargamento em relação à alínea a) do mesmo preceito. Como vimos, a própria introdução, em 1995, do conceito de gestor público na Lei n.º 4/83 constituiu, face ao EGP então em vigor, um alargamento em relação ao de gestor de empresa pública. Entendimento diferente – isto é, a consideração de que os administradores da CGD não seriam gestores públicos nos termos e para efeitos da Lei n.º 4/83 – introduziria no ordenamento jurídico português relativo aos valores e aos imperativos de transparência uma insustentável subversão valorativa. Valores e imperativos esses que, polarizando a axiologia e a teleologia da lei ordinária, mediatizam ao mesmo tempo a projeção de valorações e desígnios imanentes à própria Constituição. Com afloramentos claros no texto constitucional, nomeadamente nos artigos 48.º, n.º 2, 117.º, 266.º, n.º 2, e medularmente no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º Na verdade, ter-se-ia, assim, de chegar à conclusão de que todos os gestores de empresas meramente participadas pelo Estado, quando designados por este, são abrangidos pelos deveres de transparência conti­ dos na Lei n.º 4/83, enquanto os membros do Conselho de Administração da CGD, empresa pública em

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