TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

65 acórdão n.º 176/17 normas que sejam desconformes com as leis de valor reforçado, normas infralegislativas que desrespeitem qualquer norma legal, normas regulamentares que infrinjam outros regulamentos de grau superior, etc. A diferença está em que das respetivas decisões não cabe recurso para o TC, salvo nos casos de desconformidade equiparados à inconstitucionalidade, nos termos dos artigos 280.º e 281.º da CRP. Trata-se de um princípio geral que decorre da própria subordinação dos tribunais à lei (em sentido amplo) expressa no artigo 203.º [(…)], e que a Constituição não cuidou de explicitar, salvo quanto à desconformi- dade constitucional, justamente porque essa faculdade judicial continua a não ser universal, sendo recusada nos sistemas de fiscalização da constitucionalidade de tipo concentrado (ou “austríaco”), em que os tribunais comuns não podem recusar a aplicação de normas por inconstitucionalidade (pelo menos as normas de natu- reza legislativa), tendo de deferir as decisões de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional» [vide Autores cits., Constituição (…) cit., vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, respetivamente, anot. IV ao artigo 203.º, p. 514, e anot. IX ao artigo 204.º, pp. 521-522].» Ora, neste particular, e relativamente ao dever de respeitar a “legalidade” do direito, o Tribunal Consti- tucional, enquanto «tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (artigo 221.º da Constituição), não se encontra numa posição diferente da dos demais tribunais, pelo que também ele não pode aplicar normas ilegais lato sensu . Em segundo lugar, quando aprecia a inconstitucionalidade de normas em processos de fiscalização abs- trata, o Tribunal Constitucional está a decidir, não um qualquer «feito submetido a julgamento», mas a apre- ciar a validade de atos normativos, tendo em vista a declaração da sua invalidade causada por um qualquer vício com relevância invalidante. Na fiscalização preventiva, a diferença reside essencialmente em o objeto de apreciação ser um ato aprovado pelo órgão competente com vista à sua futura eventual promulgação ou assinatura como ato jurídico-público de natureza normativa sob uma das formas constitucionalmente previs- tas. Ora, tanto na fiscalização sucessiva, como na fiscalização preventiva, não pode o Tribunal, para cumprir a missão que constitucionalmente lhe compete, deixar de apreciar os requisitos normativos de validade desse ato, designadamente quanto ao procedimento, forma, conteúdo ou, mesmo, quanto aos pressupostos de que o Tribunal possa conhecer, atentos os limites postos pelo princípio do pedido. Tal é, manifestamente, o caso dos pressupostos normativos vinculados, já que o Tribunal não pode ignorar o direito que vigora ( iura novit curia ), tendo o poder-dever de o aplicar da forma mais correta possível. Assim sendo, e relativamente ao princípio do pedido, cumpre esclarecer, a propósito da resolução de questões prévias de legalidade, que não está em causa alargar o objeto da decisão do Tribunal a preceitos cuja apreciação não foi pedida pelo requerente: não é um problema de determinação ou delimitação do objeto do pedido – o qual é apurado em face dos termos do requerimento inicial. Diferentemente, a questão coloca-se a partir da verificação de uma relação de conexão normativa entre o objeto do pedido e outras normas que detenham um caráter paramétrico relativamente àquelas. Problemas desta índole podem surgir nos casos de parametricidade de normas interpostas entre a Cons- tituição e outras normas de direito ordinário. São paradigmáticos, mas não únicos, os casos de lei de auto- rização legislativa ou de lei de bases, relativamente aos correspondentes decretos-leis ou decretos legislativos regionais autorizados ou decretos-leis ou decretos legislativos regionais de desenvolvimento: estando em causa a fiscalização abstrata da constitucionalidade dos segundos, pode o Tribunal, no quadro da sua aprecia- ção, ver-se confrontado com uma questão de inconstitucionalidade referente aos primeiros diplomas, que, correspondendo a pressupostos da validade dos segundos, não podem deixar de relevar como questão prévia. Tal questão consiste em esclarecer se, as normas paramétricas interpostas, existem e estão aptas a desempe- nhar essa função paramétrica, e sobre a mesma não pode o Tribunal Constitucional deixar de se debruçar, sob pena de ver os seus poderes de garantia da Constituição coartados. Deste modo, sendo a aplicabilidade da Lei n.º 4/2017 invocada pelo órgão autor da norma como pres- suposto de validade das normas objeto do presente processo, a validade constitucional de tal Lei, na parte em que respeita às normas objeto do processo – in casu ao artigo 8.º, n.º 3, do Decreto – constitui igualmente

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