TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpretativa – artigo 8.º, n.º 3 – com o artigo 227.º, n.º 1, alínea a) , da CRP deriva do simples argumento de que se o legislador regional não tem poderes para criar a subvenção partidária prevista no n.º 1 do artigo 47.º, na redação dada pelo Decreto, também não tem poderes para a interpretar, independentemente do sentido que lhe pretenda atribuir. Para além de uma acentuada dimensão voluntarista, a interpretação autêntica envolve sempre um racio- cínio circular: o legislador cria uma norma (lei interpretativa) que tem por referência uma outra norma por si próprio criada, manifestando-se a finalidade interpretativa numa declaração expressa nesse sentido. É por ser «dono» da norma interpretada que o legislador tem o poder para, ex voluntate, fixar o sentido dessa norma. Mas só tem legitimidade para impor a injunção contida na lei interpretativa o órgão que tem competência para ab initio produzi-la. O legislador regional tinha competência para criar a norma do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto Legisla- tivo Regional n.º 24/89/M, de 7 de setembro, na redação anterior ao Decreto. Essa norma estabelecia uma subvenção destinada à atividade parlamentar dos partidos, que embora distinta da subvenção aos grupos parlamentares prevista no artigo 46.º, foi credenciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 376/05, dada a natureza de subvenção parlamentar. Quando se pretendeu alterar o artigo 47.º, estabelecendo norma idêntica à ora questionada, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no Acórdão n.º 26/09 pela inconstitu- cionalidade orgânica, por se tratar de matéria da reserva absoluta dos órgãos de soberania. Por conseguinte, está assente que o legislador regional não tem competência para criar uma subvenção partidária, porque tal matéria é de reserva absoluta da Assembleia da República [artigos 164.º, alínea h) , e 51.º, n.º 6, da CRP]. Não obstante qualificar o n.º 1 do artigo 47.º como lei interpretativa, o sentido normativo representa uma solução que não corresponde a um dos sentidos possíveis da norma anterior: enquanto a norma origi- nal estabelecia um subvenção parlamentar, a norma questionada prevê uma subvenção partidária. Por não haver qualquer controvérsia anterior quanto aos sentidos possíveis da lei anterior – o Tribunal Constitucio- nal legitimou-a como subvenção parlamentar –, em vez de servir para interpretar ou esclarecer a disposição anterior, acaba por introduzir uma disciplina nova em matéria de financiamento partidário. Apesar de se qualificar como interpretativa, afinal é uma disposição de caráter inovador, equivalendo a norma interpreta- tiva a uma mera “cláusula de retroatividade”. E se assim é, como já decidido pelo Tribunal Constitucional, o ordenamento jurídico-constitucional não permite que legislador regional aplique retroativamente uma norma inovadora que não tem competência para criar. O autor da norma responde ao pedido alegando que tem legitimidade para atribuir “efeitos interpre- tativos” à alteração do n.º 1 do artigo 47.º, “por via do n.º 8 do artigo 5.º da LFP” (Lei n.º 19/2003, de 20 de junho – LFP –, na redação dada pela Lei n.º 4/2017, de 16 de janeiro), «havendo, quando muito, que proceder à interpretação do preceito contido no n.º 3 do artigo 8 em conformidade com o referido artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 5/2015, ex vi artigo 5.º da Lei n.º 4/2017». Nesta interpretação, que o acórdão aceita como possível, o autor da norma entende que o n.º 8 do artigo 5.º da LFP, ao delegar-lhe a competência para fixar o quantum da subvenção partidária prevista nessa norma, também lhe dá o poder de atribuir a essa subvenção efeitos reportados ao exercício económico de 2014. Ora, o n.º 8 do artigo 5.º da LFP, na alteração dada pela Lei n.º 4/2017, introduz uma disciplina nova em matéria de financiamento partidário: concede pela primeira vez aos partidos que obtenham representa- ção na assembleia legislativa da região autónoma uma subvenção anual, cuja quantia é fixada pelo legislador regional. Essa norma inovadora, na parte em que concede o direito à subvenção partidária, é transposta pelo Decreto ora questionado para o n.º 1 do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, de 7 de setembro. Apesar de não ter o poder de criar uma norma com esse conteúdo, atribuiu-lhe “efeitos interpreta- tivos”, com a pretensão de lhe dar eficácia retroativa. Mas com tal técnica legislativa acaba por sair da “relação de circularidade” própria das normas interpretativas, dando sentido a uma norma que não foi por si próprio criada. Por se tratar de matéria de reserva absoluta, só o legislador da República tem competência para criar a subvenção partidária e determinar a sua aplicação retroativa.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=