TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, por maior que seja a sua relevância individual, os antigos deputados não desempenham qualquer função no sistema político, o que aliás resulta evidente da natureza das regalias de que beneficiam, tanto a nível nacional como no agora proposto regime regional. Tais regalias se enquadram perfeitamente no âmbito da definição das regras de organização e funcionamento daqueles órgãos, e por isso cabem ainda dentro dos seus poderes de autoconformação normativa. Embora exista uma certa “conexão” entre o estatuto dos atuais e dos antigos deputados, que pode eventualmente justificar o seu tratamento normativo integrado no mesmo diploma legal, como sucede atual- mente no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República, não há entre eles uma identidade material suficiente para fundar uma reserva de competência legislativa, não só porque a competência para definir o estatuto dos antigos deputados não se presume e não pode, por isso, subentender-se da competência para definir o estatuto dos deputados atualmente em funções, como também porque ela não é cristalizada em consequência da inserção sistemática do respetivo regime neste ou em qualquer outro diploma legal. 2. O facto de não se tratar de matéria de reserva estatutária não significa, contudo, que o legislador não esteja obrigado a justificar materialmente a razão pela qual atribui aos antigos deputados determinadas rega- lias, nomeadamente de acesso e livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa Regional, e sobretudo, as razões pelas quais permite que essas regalias sejam retiradas. E neste caso parece-me evidente que as normas em questão, que conferem ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional o poder de declarar a perda do estatuto de antigo deputado a quem não respeitar a dig- nidade da Assembleia Legislativa ou desprestigiar os seus trabalhos, são materialmente inconstitucionais à luz dos princípios constitucionais da proibição do excesso ou proporcionalidade e da igualdade. Na verdade, se algum antigo deputado abusar do seu direito de acesso e livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa Regional e desrespeitar a dignidade do órgão ou desprestigiar os seus trabalhos, o res- petivo presidente poderá fazer uso dos seus poderes de direção para fazer respeitar as normas regimentais apli- cáveis, se necessário com o auxílio das autoridades policiais. Não se justifica, para salvaguardar esses valores, retirar permanentemente ao prevaricador o seu estatuto de antigo deputado, nem muito menos estabelecer, num domínio tão permeável às valorações políticas subjetivas, uma discriminação injustificada entre antigos deputados dignos e indignos. E menos ainda sem um processo devido. – Claudio Monteiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Acompanho o sentido da pronúncia, mas não a fundamentação, no que diz respeito à inconsti- tucionalidade da norma que atribui natureza interpretativa ao disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, na redação agora introduzida, decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto enviado para fiscalização. 2. Considera o Representante da República que, quanto a este aspeto, «estando em causa uma matéria – atribuição de subvenções a partidos – que não podia, até janeiro de 2017, ser concretizada pela Assembleia Legislativa, não pode esta, agora, pretender conferir “natureza interpretativa”» à redação conferida ao artigo 47.º, através do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto (cfr. n.º 22 do pedido). Concordo. Efetivamente, a atribuição dessa “natureza interpretativa” redunda num efeito retroativo proibido pela Constituição, porque pretende sanar a invalidade de atos passados, praticados pela Assembleia Legislativa num momento anterior ao da atribuição da competência para a sua aprovação. A fundamentação do Acórdão assenta na interpretação do autor da norma, segundo a qual o artigo 5.º da Lei n.º 4/2017, em conjugação com o artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 5/2015, lhe conferia essa competên- cia retroativamente.

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