TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

119 acórdão n.º 367/18 taxas devidas em contrapartida dos serviços […] da proteção civil […], pois que estas são áreas de atividade das autarquias relativamente às quais é muitas vezes impossível detetar prestações concretas das quais os particula- res sejam efetivos causadores ou beneficiários, essas ‘utilidades divisíveis’ a que o legislador se refere no artigo 5.º, n.º 2 […]. Naturalmente que não podemos admitir tão pouco que a coberto do RTL as autarquias locais portuguesas venham a cobrar as contribuições ou impostos que a Constituição da República lhes veda, insti- tuindo taxas […] para financiamento dos serviços de proteção civil que se aproximam de genuínas capitações, reproduzindo os antigos impostos municipais para o serviço de incêndios. O perigo que há na sugestão feita pelos artigos 5.º e 6.º do RTL está no encorajar dos municípios à produção de tributos com uma bilateralidade difusa ou sem bilateralidade alguma, em particular dos municípios com menores recursos técnicos, alimen- tando desse modo a litigância dos contribuintes com a administração local. […] Este experimentalismo fiscal deixa ver os perigos que há na sugestão feita pelo legislador e a necessidade de fazer destas disposições dos artigos 5.º e 6.º do RTL uma interpretação não apenas inteligente, mas conforme à Constituição da República. A proteção do ambiente, a proteção civil ou a promoção do desenvolvimento local podem servir de base de incidência às taxas locais, mas apenas quando essas atividades de materializem em pres- tações públicas concretas, de que os respetivos sujeitos passivos sejam os efetivos causadores ou beneficiários e nunca quando elas tomem a forma de prestações públicas difusas, de que os sujeitos passivos apenas se podem dizer, quando se podem sequer dizer, os presumíveis causadores ou beneficiários. Dito de outro modo, […] se a criação de uma taxa local devida por todos os residentes destinada a custear os serviços de proteção civil encerra uma violação da lei parlamentar, por representar um genuíno imposto, podemos admitir que se exijam taxas locais por concretas intervenções que esses serviços realizem. […]’. Estas dúvidas foram ampliadas e aprofundadas, concretamente quanto às taxas municipais por serviços de proteção civil, por Conceição Gamito e Teresa Teixeira Mota (“O Setor das Utilities e a Taxa de Proteção Civil”, in Taxas e Contribuições sectoriais, Coimbra, 2013, pp. 41 e segs.): ‘[…] No que à incidência objetiva da TMPC diz respeito, assinalam-se duas notas que, desde logo, permitem identificar na TMPC elementos que põem em crise a sua qualificação como taxa e que possibilitam aos parti- culares que vêm a assumir-se como sujeitos passivos da mesma questionar a legalidade da TPMC e, mesmo, a sua conformidade com a Constituição. Assim, começa por verificar-se que, no que tange à delimitação dos serviços putativamente prestados pelos municípios e que justificariam a cobrança da TMPC, todos os regulamentos municipais seguem o elenco do regulamento-tipo, prevendo que a TMPC constitui a contrapartida do município: (i) pela prestação de serviço de bombeiros e de proteção civil; (ii) pelo funcionamento da comissão municipal de proteção civil; (iii) pelo cumprimento e execução do plano de emergência municipal; (iv) pela prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro das populações; e (v) pela promoção de ações de proteção civil e de sensibili- zação para prevenção de riscos. [cfr. artigo 2.º do RTMPC, supra transcrito] Deste elenco ressalta uma primeira perplexidade, consubstanciada na circunstância de ser impossível divi- sar serviços concretamente prestados pelos municípios aos particulares e de que estes sejam efetivos causadores ou beneficiários. Por outra banda, ainda que pudesse, num exercício puramente teórico e sem qualquer apro- ximação à realidade, considerar-se algum dos serviços que integram o elenco da norma atinente à incidência objetiva como sendo prestado pelos municípios e efetivamente aproveitados ou causados pelos particulares, sempre se diria que se trata de serviços que, por natureza, são incumbências do Estado enquanto garante da segurança dos cidadãos. Curiosamente, porém, o ‘pecado original’ não está no regulamento-tipo, mas no próprio RGTAL, que prevê que as taxas municipais incidem sobre ‘utilidades’ prestadas aos particulares ou geradas pelos municípios

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