TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

128 III – O Tribunal Constitucional tem reiteradamente admitido a aplicação do n.º 4 do artigo 30.º da Cons- tituição a casos nos quais a perda de direitos é configurada, pelo legislador, como um efeito necessário da condenação pela prática de um crime, aderindo ao entendimento de que esse parâmetro norma- tivo não se encontra limitado às normas que preveem um efeito automático decorrente da aplicação de uma pena; deste modo, visto que a norma extraível da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, estabelece um efeito automático consequente da prática de um crime, o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição seria, nesta medida, o parâmetro normativo diretamente aplicável à apreciação da sua constitucionalidade; no entanto, ainda que com divergências quanto ao percurso argumentativo delineado, o Tribunal tendeu, num número relevante de arestos, a dar preferência pela aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, por primordialmente configurar as normas em causa como restritivas de um dado direito fundamental. IV – Sendo um regime legal de natureza predominantemente administrativa, no qual se exige, entre outras condições relativas ao exercício de determinada atividade, a verificação do requisito de inexistência de uma condenação pela prática de um crime, tal conjunto de normas corresponde, em primeira linha, a um regime legal potencialmente restritivo de um direito fundamental – direito à liberdade de exer- cício e escolha de profissão –, encaminhando o aplicador do direito para apreciação da sua constitu- cionalidade ao abrigo do artigo 18.º da Constituição, e não a um regime constitucional cuja ratio visa predominantemente o afastamento do efeito estigmatizante das penas e a promoção da reabilitação do delinquente, em clara ambiência e domínio penal (n.º 4 do artigo 30.º da Constituição). V – A “tensão” verificada entre a proibição do n.º 4 do artigo 30.º e a defesa do interesse subjacente a um regime de direito público relativo à atribuição de um título administrativo, não significa, no entanto, que os valores constitucionais protegidos por um e outro regime sejam incompatíveis ou inconciliáveis entre si; prosseguindo o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição uma função de impedir a estigmatização de quem tenha sido condenado pela prática de um crime ou numa certa pena, ele não deve ser pri- mordialmente convocado numa situação em o que o legislador pretende é – legitimamente – acautelar a idoneidade para o exercício de uma atividade suscetível de contender com direitos fundamentais de outros cidadãos no domínio da segurança, o que não impede que não se possam retirar do n.º 4 do artigo 30.º, em obediência ao princípio da unidade da Constituição, elementos interpretativos a considerar na apreciação da proporcionalidade da restrição promovida pelas normas aqui sindicadas – nomeadamente um princípio geral de não automatismo dos efeitos da condenação – o que, no entan- to, não é a mesma coisa que aplicá-lo diretamente; nesse sentido, o juízo de constitucionalidade das normas jurídico-administrativas que estabelecem pressupostos legais relativos ao concreto exercício da profissão ou atividade de segurança privada deve passar, prima facie , pela consideração do regime do n.º 2 do artigo 18.º, por serem normas restritivas do direito fundamental à liberdade de escolha e de exercício de profissão. VI – O direito fundamental à liberdade de escolha de profissão implica, no essencial, que o seu titular não possa ser forçado a escolher (e exercer) uma profissão, e, com superior relevo para os presentes autos, que o seu titular não possa ser impedido de escolher (e exercer) livremente uma determinada profissão; de todo o modo, à semelhança dos restantes direitos fundamentais, o direito à liberdade de escolha e exercício de profissão não é um direito absoluto, sendo que no próprio enunciado normativo relativo à sua consagração encontra-se habilitação constitucional expressa à imposição de restrições legais, não

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