TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

190 proteger valores ligados à concorrência, a concorrência é apenas um dos diversos valores que se cruzam no regime da contratação, havendo que autonomizar o princípio da concorrência “das denominadas regras da concorrência, que têm como destinatários os operadores económicos e qualquer atividade que, enquanto tais, eles levem a cabo”; sendo certo que as duas dimensões da concorrência convivem, até certo ponto, em sobreposição valorativa, não é menos certo que elas se podem e devem distinguir fundamentalmente e a norma do artigo 54.º do EPARAA aponta, de forma evidente, para apenas um desses sentidos. V – Nada autoriza a que se conclua que o legislador (Assembleia da República), ao aprovar a norma respei- tante ao “funcionamento dos mercados” e à “promoção da concorrência”, teve em vista o (diferente e mais complexo) regime de contratação pública, em que a concorrência surge com outro sentido e con- ciliada com outros interesses, num regime que deve respeitar interesses de concorrência, mas não visa diretamente regular a concorrência; tal norma do EPARAA deve interpretar-se como sendo referida às denominadas regras da concorrência – as regras que visam disciplinar direta e imediatamente a concor- rência; a expressão “promoção da concorrência” apela, inequivocamente, a esta última dimensão, não procedendo a argumentação no sentido de que o artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) , do EPARAA deve ser interpretado de forma a abranger a disciplina dos contratos públicos de aquisição de serviços como matéria de competência legislativa própria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. VI – Tendo presente que a competência para legislar em matéria de aquisição de serviços não resulta da pre- visão do artigo 54.º do EPARAA, a referência no artigo 56.º, n.º 2, alínea b) , do EPARAA apenas às empreitadas de obras públicas, só pode ter o sentido de não incluir outros contratos públicos, designa- damente os de aquisição de serviços, não constituindo fundamento para reconhecer à Assembleia Legis- lativa da Região Autónoma dos Açores [competência] para legislar em matéria de contratos públicos de aquisição de serviços; a expressão “empreitadas e obras públicas” tem um sentido muito preciso, que devemos presumir, à falta de outros elementos, ter sido usado pelo legislador nos particulares limites da matéria ali referida e atendendo às diferenças substanciais que separam aqueles regimes, não obstante os respetivos pontos de união. VII – A aquisição genérica de serviços – ao contrário das empreitadas e obras públicas” – dificilmente se reconduz ao âmbito das “infraestruturas, transportes e comunicações”, a que diz respeito o corpo do n.º 2 do artigo 56.º do EPARAA; a referência a “obras públicas” sempre existiu no EPARAA, sem que as normas tivessem sido interpretadas com o sentido de se aplicarem, também, à aquisição de serviços e a circunstância de, nas alíneas das versões anteriores, se prever “obras públicas e equipamento social” e de, atualmente, a previsão dizer respeito, separadamente, a “equipamentos sociais” e “regime de empreitadas e obras públicas” não se afigura de molde a sustentar que, assim, se pretendeu estender o regime em causa à aquisição de serviços, pelo que se conclui que a previsão do artigo 56.º, n.º 2, alínea b) , do EPARAA não inclui a disciplina dos contratos públicos de aquisição de serviços como matéria de competência legislativa própria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. VIII– As duas normas do EPARAA invocadas como fundamento da inclusão da disciplina dos contratos públicos de aquisição de serviços como matéria de competência legislativa própria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores não permitem dar como estabelecida essa competência; também não se prefigura que exista qualquer outra norma do EPARAA que permita sustentar um juízo positivo de competência na matéria indicada, pelo que, das três condições da competência legis- lativa regional previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º Constituição, resulta irremediavelmente comprometida a segunda (estarem as matérias em causa enunciadas no respetivo estatuto político- -administrativo), tornando inútil indagar quanto à verificação das demais.

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