TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
232 mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos “patamares” de recurso.». IV – No caso dos presentes autos, em que é interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação que reaprecia sentença de 1.ª instância proferida em recurso de uma decisão de natureza administrativa, entendendo-se que a Constituição não impõe sequer um segundo grau de jurisdição em processo civil e que a regulação dos graus de jurisdição através do estabelecimen- to de alçadas nada tem de arbitrária, é forçoso concluir que não se verifica aqui qualquer violação do direito de acesso à justiça. V – O recurso previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil não se destina a salvaguardar qualquer direito subjetivo do recorrente, o que é evidente se considerarmos que, nos casos em que se não verifica contradição de julgados, a decisão da Relação é irrecorrível; o interesse promovido por esta disposição é de natureza objetiva, qual seja o de evitar a propagação do erro judiciário e eliminar a insegurança jurídica gerada por jurisprudência contraditória; o interesse do recorrente na reapreciação da questão de direito é apenas o pretexto para desencadear um mecanismo de superação de contradições jurisprudenciais cuja função é a de tutelar aqueles interesses objetivos; de onde decorre que, não estando em causa o direito de acesso aos tribunais de quem recorre, o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação política na fixação dos critérios de acesso ao vértice da ordem jurisdicional em que o processo se insere. VI – Quanto à ofensa ao princípio da igualdade pela norma que integra o objeto do presente recurso, caso a mesma resida na alegada arbitrariedade da diversidade de tratamento de recorrentes consoante o valor da causa e da sucumbência, o regime das alçadas tem a sua razão de ser na presunção de que nas cau- sas de valor mais elevado e nas decisões que implicam prejuízos maiores para o recorrente o interesse na intervenção de uma instância mais elevada, que se presume menos propensa ao erro judiciário e melhor posicionada para acautelar a segurança jurídica, é proporcionalmente mais intenso; nada há de arbitrário nesse critério de distinção, pelo contrário, é o critério normal, neste domínio, na genera- lidade dos sistemas judiciários. VII – Quanto à ofensa do princípio da igualdade que decorreria da diversidade de tratamento entre os recor- rentes que beneficiam do direito ao recurso, sem atender ao valor da causa e da sucumbência – nos termos das alíneas a) , b) e c) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil –, e os recorrentes que – nos termos da interpretação da alínea d) acolhida na decisão recorrida – estão sujeitos à relevân- cia desses fatores, nos termos previstos no n.º 1, é ostensiva a divergência da razão de ser das soluções legais e, no que respeita à comparação com os destinatários da alínea c) , não se consegue discernir qualquer arbitrariedade na diferença de tratamento: os interesses que justificam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – evitar a propagação do erro judiciário e salvaguardar a segurança jurídi- ca – manifestam-se com maior intensidade quando as decisões das Relações contrariam jurisprudência uniformizada, ou seja, quando está em causa, não a superação de jurisprudência contraditória ao nível da Relação, mas a garantia de eficácia de intervenção uniformizadora pretérita do Supremo Tribunal de Justiça, não sendo de admirar que o acesso ao vértice da ordem jurisdicional nos casos em que a decisão recorrida contraria jurisprudência uniformizada seja mais aberto do que nos casos em que se verifica contradição jurisprudencial ao nível da Relação.
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