TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

270 B) Alegam também os Demandados que a intervenção no processo jurisdicional – até à contestação – do juiz que interveio na fase anterior e que aprova o relatório, com base no qual o Ministério Público desencadeia o processo de responsabilidade financeira, viola o princípio da independência dos juízes (artigo 203.º da CRP, por lapso indicou-se o artigo 230.º da mesma Constituição), e do direito dos Demandados a uma justiça imparcial inscrito no princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), violando ainda o direito de defesa dos Demandados, pro- tegido pelo artigo 32.º, n.º 10, da CRP. Afigura-se-nos também, aqui, não assistir razão aos Demandados. O Juiz da Secção Regional dos Açores, que aprovou o relatório de auditoria, limitou-se a ordenar a citação dos Demandados, que apresentaram as respetivas contestações, bem como ordenar a distribuição do processo pelo Juiz da Secção Regional da Madeira. A citação dos Demandados significa que o juiz que a ordena – no caso o Juiz da Secção Regional dos Açores – considera que o pedido, face aos fundamentos de facto e de direito alegados e do pedido formulado no Reque- rimento Inicial, não é manifestamente improcedente, e/ou que não se verificam, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso (artigo 590, n.º 1 do Código de Processo Civil4). [4 O artigo 590.º do CPC, à data em vigor, sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, no seu n.º 1, dispõe o seguinte: “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º”]. Não significa, no entanto, que tais questões – as que podiam ser objeto de indeferimento liminar – fiquem precludidas, ou seja, não significa que tais questões não possam (ou até devam) vir a ser conhecidas pelo juiz de jul- gamento em qualquer das ulteriores fases do processo jurisdicional, já que o despacho de citação não constitui caso julgado formal (cf. artigo 226.º, n.º 5, do Código de Processo Civil5). [5 O artigo 226.º do CPC, sob a epígrafe “Regra da oficiosidade das diligências destinadas à citação”, no seu n.º 5, dispõe o seguinte: “Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que poderiam ser motivo de indeferimento liminar”] Não se vê, por isso, como é que a prolação do despacho de citação pelo juiz que aprova a auditoria, possa inter- ferir ou condicionar o juízo a efetuar pelo juiz de julgamento e, consequentemente, a sua independência no ato de julgar – vide artigo 203.º da CRP6 [6Dizem, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP, Anotada, Vol. II, pág. 514 “ O direito do juiz à independência convoca várias dimensões densificadoras da liberdade à indepen- dência no julgar: (i) liberdade contra injunções ou instruções de quaisquer autoridades; (ii) liberdade de decisão contra coações ou pressões destinadas a influenciar a atividade de jurisdictio ; (iii) liberdade de ação perante condi- cionamento incidente sob a atuação processual; (iii) liberdade de responsabilidade, pois só ao juiz cabe extrinsecar o direito e obter a solução justa do feito submetido à sua apreciação”..] Pelas mesmas razões e ainda pelo facto de aos Demandados – com o despacho de citação – lhes serem dados todos os direitos de audiência e de defesa, bem como o direito a uma justiça imparcial a realizar por um juiz diverso do juiz que aprova a auditoria, também não se vislumbra como é que a tramitação do processo jurisdicional pelo juiz da auditoria7 [7 No caso o juiz da Secção Regional dos Açores] até à contestação ou decurso do respetivo prazo, a que se segue a distribuição do processo pelo juiz da outra secção regional8 [8 No caso, a Secção Regional da Madeira.], a quem compete presidir à audiência de produção de prova e proferir a sentença final, possa violar o princípio do Estado de direito democrático a que se refere o artigo 2.º da CRP9 [9 O artigo 2.º da CRP, sob a epí- grafe “Estado de direito democrático”, dispõe o seguinte: “A República Portuguesa é um Estado de direito demo- crático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos liberdades e garantias e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.] , bem como o n.º 10 do artigo 32.º da mesma Lei fundamental10 [10 O artigo 32.º da CPR, sob a epígrafe “Garantias de processo criminal”, dispõe no seu n.º 10, o seguinte “Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”].

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