TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
273 acórdão n.º 255/18 a solução encontrada pelo legislador ordinário, redunda num reforço dos direitos processuais e das garantias de defesa dos demandados. 28. A relação entre as competências dos mencionados magistrados judiciais consagrada nesta solução legislativa não é, sublinhe-se, salvaguardadas as devidas diferenças, nuclearmente distinta da que é estabelecida, em sede de processo criminal, entre o juiz de instrução e o juiz de julgamento. 29. Dito isto, não deixaremos de procurar apurar se, nalguma medida, as regras de competência impugnadas poderão, ainda assim, revelar-se violadoras dos princípios invocados pelos demandados. 30. No que concerne ao princípio do juiz natural, que os demandados sediam no n.º 9, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de referir que, independentemente de aceitarmos que tal princípio tem aplicação em quaisquer processos de natureza sancionatória (nomeadamente no presente processo de efectivação de responsabilidades financeiras), a sua base legal não poderá ser, segundo entendemos, o alegado n.º 9, do artigo 32.º, da Constituição, o qual apenas rege matérias do âmbito do processo criminal. 31. Todavia, mesmo aceitando a aplicação potencial de tal princípio ao caso vertente, seja por remissão do disposto no n.º 10 do mencionado artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, seja pela aplicação das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, do mesmo Texto Fundamental, teremos de concluir que, em concreto, não se verifica, na situação sob escrutínio, a violação de tal princípio constitucional. 32. Acompanhando a argumentação expendida no douto aresto aqui impugnado, proferido pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas, recordaremos o entendimento do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, expresso, entre outros, no seu douto Acórdão n.º 614/03, no qual se afirma, que: “O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeter- minado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a cria- ção e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto. A garantia do “juiz natural” tem, assim, um âmbito de protecção que é, em larga medida, configurado ou con- formado normativamente – isto é, pelas regras de determinação do juiz “natural”, ou “legal” (assim G. Britz, ob. cit, pág. 574, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II , 14.ª ed., Heidelberg, 1998, pág. 269). E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjec- tivo de dimensões objectivas de garantia, pode reconhecerse nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas”. 33. Complementando a sua tese, esclareceu, igualmente, o Tribunal Constitucional, no seu douto Acórdão n.º 74/12, que: “Daí que, encontrando-se definidos, no caso concreto e por lei anterior, as regras que permitem definir o tribunal (juiz) competente segundo características gerais e abstratas, deva concluir-se pela observância do prin- cípio (constitucional) do ‘juiz natural’ ou do ‘juiz legal’, e, consequentemente, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade com base no mesmo”.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=