TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

280 cabe presidir à audiência de produção de prova e proferir a sentença final, sendo que desta sentença cabe recurso para o Plenário da 3.ª Secção especializada do Tribunal de Contas (como ocorreu, in casu ). Assim, é estabelecida na lei uma necessária diferenciação entre o juiz (secção regional) que aprova o rela- tório de auditoria e o juiz (secção regional) que julga e profere a sentença em 1.ª instância (condenatória ou absolutória), o que não se mostra diferente da solução adotada na distribuição de competências entre as três secções especializadas do Tribunal de Contas, reservando-se à 3.ª Secção o poder de julgar e decidir a acção de responsabilidade financeira. Por outro lado, o legislador comete ao juiz regional territorialmente competente para aprovar o relató- rio de auditoria a competência para proceder à citação dos demandados para apresentação da contestação, distribuindo posteriormente o processo ao outro juiz regional (após a apresentação da contestação pelos demandados ou decorrido o prazo para o efeito sem que a mesma haja sido apresentada). Vejamos, pois, as questões de constitucionalidade colocadas nos presentes autos. 17. Convocam, primeiramente, os recorrentes o princípio do juiz natural – também designado princípio do juiz legal – como parâmetro jurídico-constitucional alegadamente desrespeitado pelas normas (dimensões normativas) contidas no artigo 108.º, n. os 2 e 3, da LOPTC. 17.1. O princípio do juiz natural encontra consagração expressa na Constituição, que estabelece, no n.º 9 do seu artigo 32.º (em sede de garantias do processo criminal), que «[n]enhuma causa pode ser sub- traída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior». Ora, da norma constitucional convocada decorre, desde logo, a proibição de desaforamento da causa criminal em relação ao juiz pré-determinado por lei. Assim Figueiredo Dias entende que «o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sen- tido material na proibição da criação ad hoc , ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto , de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal. Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade da fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do « nullum crimen, nulla poena sine lege ») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroatividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’Etat – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompa- tível com o princípio do Estado de direito». Segundo o mesmo Autor, tal «não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» (cfr. Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz natural”, Revista de Legislação e de Jurisprudência , ano 111.º, n.º 3615, p. 86). Gomes Canotilho e Vital Moreira também entendem que o «princípio do juiz legal (n.º 9) consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tri- bunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime. A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objetivos predeterminados e não de critérios subjectivos.» (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada , anotação ao artigo 39.º, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 525). Para estes Autores, na esteira da doutrina sobre a matéria, o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: « (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=