TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
281 acórdão n.º 255/18 competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedi- mento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administra- tiva, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial)» (cfr. idem ). 17.2. Da vasta jurisprudência constitucional sobre o âmbito normativo do princípio do juiz natural (exarada, designadamente, nos Acórdãos n. os 393/89, 614/03, 162/09, 21/12, 482/14, 596/2015 e 41/16), merece referência a reflexão feita no Acórdão n.º 614/03, no qual também se assinala uma dupla vertente (positiva e negativa) do princípio. Assim, no citado Acórdão n.º 614/03: «O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). (…) E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subje- tivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas. Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar-se à determinação do órgão judiciá- rio competente, mas estendem-se igualmente à definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1.ª instância, quer nos tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, v., além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido… , cit., pág. 83, nota 3). Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do “juiz natural”, terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa defi- nição da concreta formação judiciária que julgará um processo – por exemplo, as relativas ao preenchimento de turnos de férias –, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas). Trata-se, aqui, das referidas “determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos)”, apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “para a fixação de um plano de distribuição de processos”, pois, “embora esta distribuição seja uma ativi- dade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial”. É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstratas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do “juiz natural”, pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes. Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso indi- vidual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatio juris- dictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto , especiais ou excecionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibi- ção, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para
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