TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
282 o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição).» Na formulação sintética do Acórdão n.º 21/12, o Tribunal considerou, a propósito do disposto no n.º 9 do artigo 32.º da Constituição, o seguinte: «Consagra-se neste preceito o princípio do juiz legal ou do juiz natural, que visa garantir que nenhuma causa seja julgada por um tribunal criado ad hoc para esse efeito ou por um tribunal designado discricionariamente, devendo essa competência resultar da aplicação de normas orgânicas e processuais que contenham regras dirigidas à determinação do tribunal que há de intervir em cada caso, segundo critérios objetivos (vide, sobre o sentido e alcance do princípio do juiz natural, Figueiredo Dias, em “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 111.º, pág. 83-88, e o Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 614/03, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) .» 17.3. Já quanto ao alcance do princípio constitucional em análise, pode, sem dificuldade, reconhecer-se a sua projeção para além do domínio penal, pese embora encontre aí o seu primordial campo de atuação. Com efeito, do n.º 9 do artigo 32.º da Constituição, retira-se, desde logo, que o princípio do juiz natural (ou do juiz legal), pré-determinado e suficientemente determinado por lei, constitui uma impor- tante projeção do princípio da legalidade penal. A este respeito, tenha-se ainda presente que esta dimensão «objetiva» do princípio do juiz natural não se mostra dissociada da vertente garantística do mesmo princípio, o qual constitui, como escreve Figueiredo Dias, «como emanação que é, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal – uma necessária garantia dos direitos das pessoas, ligada à ordenação da admi- nistração da justiça penal, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comuni- dade naquela administração» (cfr. do Autor, “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz natural”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, n.º 3615, cit., p. 83). Contudo, se tal relevo no domínio penal resulta com evidência da opção sistémica do legislador cons- tituinte, ao integrar o princípio no preceito constitucional relativo às garantias de processo criminal (artigo 32.º da CRP), cumpre assinalar que não deixa o mesmo princípio – também nesta vertente garantística – de assumir uma mais vasta projeção, não confinada ao domínio penal, pois encontra o seu fundamento no prin- cípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, configurando-se também como uma garantia da independência e imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da CRP). Pode deste modo afirmar-se que, para além da assinalada relevância do princípio do juiz natural no domínio da justiça penal, o mesmo princípio, enquanto emanação do princípio do Estado de direito e garante da independência e imparcialidade dos tribunais, não deixa de se projetar em todos os tribunais, independentemente da natureza da causa que lhes é submetida. Neste sentido, Gomes Canotilho considera o princípio do juiz legal como uma garantia geral do pro- cesso judicial e não apenas do processo penal ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 274; no mesmo sentido, cfr. Miguel Nogueira de Brito, ( O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária , in JULGAR , n.º 20, maio/agosto 2013, p. 30). Também assim a jurisprudência constitucional, tomando o princípio como parâmetro jurídico-constitucional relevante na aferição da cons- titucionalidade de normas processuais civis (Acórdão n.º 82/14): «(…) 15. Este princípio encontra-se expressamente consagrado no âmbito das garantias em processo criminal, dis- pondo o artigo 32.º, n.º 9 que “[n]enhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”. Segundo Jorge de Figueiredo Dias, “o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc , ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto , de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal” (v. Autor cit., “Sobre o sentido do princípio
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