TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
283 acórdão n.º 255/18 jurídico-constitucional do ‘juiz natural’”, in Revista de Legislação e Jurisprudência , 111.º ano – 1978/1979, págs. 83-88, pág. 83). Mesmo entendendo o princípio do juiz natural como dimensão resultante do princípio geral da independência que vale para toda e qualquer instância judicial, independentemente da matéria em causa – nos termos do artigo 203.º da Constituição – o seu alcance não tem uma abrangência mais vasta do que a exigência do respeito pelo «juiz legal» que o legislador constituinte optou por consagrar especificamente no campo das garantias de defesa em matéria penal. Percebe-se que o tenha feito aí, uma vez que a teleologia do juiz natural se associa à ideia de “impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito.” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit. , pág. 84).» 18. Assim sendo, com este alcance, pois fundado no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP) e projetado nas garantias de independência e imparcialidade dos Tribunais (artigo 203.º da CRP), o princípio constitucional do juiz natural afigura-se, prima facie , convocável no caso dos autos, mesmo atenta a natureza – não penal – das causas em juízo. Não obstante, o juízo de desvalor retirado do princípio em causa relativamente às normas impugnadas pelos recorrentes não se mostra procedente. Com efeito, as normas legais impugnadas vêm proceder à distribuição de competências entre as duas secções regionais do Tribunal de Contas nos processos de efectivação de responsabilidades financeiras, come- tendo-se a competência para julgar a secção diferente da secção que procede à aprovação do relatório de auditoria, cabendo também a esta secção a responsabilidade de, antes de proceder à distribuição do processo a juiz diverso, proceder à citação dos demandados para, querendo, contestarem. Ora, seja na opção de distribuição de competências a dois distintos juízes, seja na específica configuração das competências cometidas a cada um desses juízes, o regime normativo ora questionado não contende com nenhuma das assinaladas exigências decorrentes do princípio do juiz natural. Na verdade, a opção normativa em crise não configura uma situação de desaforamento constitucio- nalmente proibida ao distinguir o juiz do julgamento do juiz interveniente na fase anterior do processo de efectivação de responsabilidades financeiras. Diversamente, a referida distinção das competências cometidas a cada uma das instâncias judiciais regionais é feita por via de regras pré definidas e suficientemente determinadas, como decorre da leitura do artigo 108.º da LOPTC, e dos seus n. os 2 e 3, objeto do presente recurso de constitucionalidade. Garante- -se, assim, que nenhuma causa apreciada no âmbito de processo de efectivação de responsabilidades finan- ceiras seja julgada por um tribunal criado ad hoc para esse efeito, por um tribunal excecional ou por um tribunal designado discricionariamente. As regras estabelecidas na lei definem com clareza as competências dos juízes regionais no âmbito dos processos jurisdicionais de efetivação de responsabilidades financeiras, determinando-se o tribunal competente segundo critérios gerais e objetivos, não dependentes de quaisquer circunstâncias específicas do caso. Ao juiz da secção regional territorialmente competente cabe a aprovação do relatório de auditoria (com base no qual entidade terceira, maxime o Ministério Público, intenta a acção de responsabilidade financeira), sendo responsável pela tramitação do processo até à fase da contestação pelos demandados, cabendo ao juiz da outra secção regional dirigir a audiência de julgamento, ponderando a prova produzida, e julgar a causa, condenando (ou absolvendo) os demandados no pagamento de sanção pecuniária pelo ilícito financeiro (responsabilidade sancionatória) ou na restituição dos montantes a repor (responsabilidade reintegratória). Deste modo, o princípio do juiz natural (ou do juiz legal) seja na sua vertente positiva, seja na sua ver- tente negativa, mantém-se intocado. O mesmo se diga quanto às vertentes objectiva e subjetiva (garantística) do princípio. Desde logo, a exigência de que a identificação da concreta formação ou instância judiciária que vai julgar o processo (e, antes, que vai aprovar o relatório com base no qual a ação é interposta) seja feita pela aplicação de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=