TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
319 acórdão n.º 297/18 Na verdade, sempre poderá dizer-se que a aplicação de um tal critério conduz a que, a partir de um certo limite, não possa o montante de taxa devida encontrar justificação seja no princípio da equivalência seja no princípio da cobertura de custos Como se pode ler na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 349/02, entende-se que «não carece de mais justificações a verificação de que ocorre, em consequência da interpretação perfilhada pela 1.ª instância e afastada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, uma situação em que a taxa calculada é de “montante manifestamente exces- sivo”, ou seja, em que há uma “desproporção intolerável” entre “o montante do tributo e o custo do (...) serviço prestado” (…). E, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado em função da mesma norma, ocorre também uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais, sem que seja necessário entrar em considerações relacionadas com o instituto do apoio judiciário, aqui descabidas». Estas considerações são aplicáveis ao presente caso, em que o valor de taxa de justiça a que se chegaria – € 584 403,82 – era também manifestamente desproporcionado aos custos da actividade jurisdicional num proce- dimento cautelar, por força da fixação da taxa de justiça, de acordo com os escalões constantes da tabela anexa, em função do valor da causa sem qualquer limite máximo. O juízo de inconstitucionalidade a que a decisão recorrida chegou merece confirmação – e isto, aliás, indepen- dentemente da qualificação do tributo em causa, não só por violação do princípio constitucional da proporciona- lidade como por ofensa ao direito de acesso aos tribunais.[…]» E, a respeito da violação do direito de acesso aos tribunais, acrescentou-se ainda: «De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99 (publicado no Diário da República , II Série, de 16 de março de 2000), “na área em questão” [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causali- dade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»”. Ora, afigura-se claro que a interpretação normativa segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos cujo valor excede 49 879,79 € é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, e da qual resultaria, no caso, um montante de custas de € 584 403,82, não se situa logo dentro de limites razoáveis, e antes comporta uma restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais. Com efeito, a ponderação de meios e fins a que este Tribunal é conduzido não pode deixar de ter presente o quantitativo concreto da taxa de justiça exigida às ora recorridas – que era, repete-se, de € 584 403,82 –, originando um débito de custas muito superior aos custos da prestação do serviço de administração da justiça (incluindo o montante da comparticipação nos custos globais do sistema de justiça), dada, também, a circunstância de se estar ainda no âmbito de um processo cautelar, de índole provisória, decidido com base numa apreciação perfunctória e sumária da necessidade da providência. Em tal procedimento cautelar, não se vê, aliás, como poderia a invocação de uma hipotética utilidade da presta- ção do serviço que fosse proporcionada aos prejuízos sofridos – e ao valor da causa – prevalecer sobre o interesse das ora recorridas em acautelar esse ressarcimento, em termos de legitimar um montante de custas de € 584 403,82, que, não só tomando como paradigma “a capacidade contributiva do cidadão médio” (Acórdão n.º 248/94, Diário da República , II Série, de 26 de julho de 1994) como mesmo considerando a dimensão económica das requerentes, constitui uma barreira significativa ao acesso aos tribunais. Não se trata, pois, apenas da relevância de um “juízo empírico” (a que se refere o Ministério Público) sobre o montante excessivo das custas, mas, antes, de considerar os efeitos que um (previsível) débito de tal montante, pela fixação das custas em função do valor da causa e sem qualquer limite máximo, realmente produz sobre o direito de acesso aos tribunais, sem que se permita ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e
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