TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – No domínio das «classificações suspeitas», trata-se de saber, não apenas se a diferença de tratamento é fundada em razões não discriminatórias, mas se essas razões, as únicas que se podem aceitar como legítimas, justificam a exata medida da diferença de tratamento entre o grupo-alvo e o par compa- rativo; muito longe de ofender o princípio da separação de poderes – nomeadamente, da separação entre o poder legislativo e o poder jurisdicional −, este escrutínio judicial reforçado é uma garantia da autoridade democrática da lei perante aqueles que têm fortes razões para descrer na promessa consti- tucional, solenemente firmada no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, de que serão tratados por ela como iguais aos demais cidadãos. IV – Embora, numa compreensão muito estreita da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, seja evidente que as normas respeitantes à impugnação da paternidade – seja qual for o título constitutivo do estado de filiação – estão fora do seu alcance, do ponto de vista constitucional, esta compreensão é intoleravelmente estreita; não estando a constituição da paternidade, em qualquer das suas modalidades típicas, dependente da prova direta da progenitura, mas da operação de presun- ções legais (entre as quais avulta a regra pater est …) ou da vontade individual (no caso da perfilhação), os filhos nascidos fora e dentro do casamento são aqueles que a ordem jurídica reputa como tais, e isto independentemente da correspondência, em qualquer um dos casos, entre a filiação jurídica e a bio- lógica; relevando a proibição constitucional da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento da distinção antiga e estigmatizante entre filhos legítimos e ilegítimos («bastardos»), numa época em que a prova direta da progenitura era, não apenas pouco comum, mas cientificamente impossível, não se pode duvidar do seu alcance alargado; ao consagrar regimes diversos de impugnação, pelo suposto pai, da paternidade presumida e da perfilhação, a lei está inteiramente na sombra da suspeita de dis- criminação acolhida no texto constitucional. V – A causa profunda das diferenças substanciais entre o regime da impugnação da paternidade presumi- da e da paternidade estabelecida por perfilhação era a defesa da integridade moral e patrimonial da família tradicional, perante a qual os filhos nascidos fora do casamento – e por isso, «ilegítimos» − eram olhados com a maior desconsideração e desconfiança; explicada nestes termos, a solução legal da imprescritibilidade da ação de impugnação da perfilhação intentada pelo perfilhante é liminarmente proibida pelo princípio da igualdade, na vertente de proibição da discriminação e, em especial, de proibição da discriminação de filhos nascidos fora do casamento; todo o regime, na sua encarnação originária, repousava num preconceito contra os filhos «ilegítimos» e tinha por finalidade mais ou menos ostensiva discriminá-los (ou – o que é dizer o mesmo pela via oposta – de privilegiar os filhos «legítimos»). VI – É possível discernir duas razões para o facto de as disposições que integram este regime não terem sido alteradas: a tutela da paz familiar, nomeadamente a do filho, mas também a dos cônjuges; e a tutela da correspondência entre a filiação jurídica e a verdade biológica; porém, nenhum dos fundamentos invocados para explicar a divergência de regimes é suficiente para resistir a um controlo rigoroso baseado no princípio da igualdade. VII – O primeiro fundamento – a tutela da paz familiar −, assenta num pressuposto sociológico que não tem, nos dias de hoje, a menor aderência à realidade, sendo insustentável manter a suposição – perfei- tamente razoável na década de setenta do século passado − de que a paternidade baseada na presunção matrimonial se insere num contexto familiar estável e duradoiro; por outro lado, é cada vez mais comum que filhos nascidos fora do casamento – num contexto em que, não operando a presunção
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