TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

329 acórdão n.º 308/18 pater est …, a paternidade é normalmente estabelecida através de reconhecimento voluntário − inte- grem agregados familiares cuja estabilidade e longevidade deve ser equiparada à da família matrimo- nial, não havendo hoje razões para crer que a impugnação da paternidade presumida do marido da mãe é geralmente mais perturbadora da «harmonia e paz familiar» do que a impugnação da perfilha- ção; e mesmo que se entenda que, perante os dados sociais presentes, é ainda possível formular um juízo geral com esse alcance, é certo que o mesmo não justifica a grande medida da diferença entre as soluções legais nos dois casos: um prazo curto de caducidade no caso de impugnação da paternidade pelo marido da mãe e a inexistência de qualquer prazo para agir no caso de impugnação da perfilhação pelo perfilhante. VIII– O segundo fundamento – a tutela da verdade biológica – é igualmente insuficiente para justificar a diversidade de tratamento entre os filhos que beneficiam da presunção pater est … e aqueles cuja paternidade é estabelecida por reconhecimento voluntário; a relativa propensão da paternidade esta- belecida por reconhecimento voluntário para divergir da verdade biológica – sobre a qual recai um interesse público −, pode servir para justificar alguma diferença entre o regime da impugnação da paternidade presumida e da perfilhação; todavia, é um interesse demasiado débil e difuso para justifi- car a existência de soluções legais radicalmente divergentes – demasiado artificioso para afastar, por si só, a forte e fundada suspeita de discriminação que recai sobre a lei; em todo caso, não se pode aceitar uma situação de facto gerada exclusivamente por uma decisão dispensável e discutível do legislador, que admite a perfilhação sem qualquer controlo prévio – judicial ou administrativo –, conjugada com um vago interesse público, como justificação única de uma diferença de tratamento substancial entre dois grupos de indivíduos num domínio particularmente sensível, impondo-se a conclusão de que a norma extraída do n.º 2 do artigo 1859.º do Código Civil, que estabelece que a ação de impugnação da perfilhação pode ser intentada pelo perfilhante a todo o tempo, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento. IX – Quanto à norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil – que prevê a impug- nabilidade da paternidade pelo marido da mãe, no prazo de três anos contados a partir do conheci- mento das circunstâncias que motivam a propositura da ação –, a existência de prazo subjetivo de três anos é uma solução razoável para a colisão dos direitos do impugnante e do filho; tem por fundamento o interesse do filho na estabilidade familiar e na proteção durante a infância; e a natureza subjetiva do prazo tem por fundamento o interesse do impugnante na afirmação da verdade biológica, que não poderia ser acautelado de outra forma. X – O legislador quis salvaguardar os interesses legítimos do impugnante; quando o impugnante é o mari- do da mãe (ou, a pari , o perfilhante) – precisamente a hipótese contemplada pela norma sindicada no presente recurso –, os laços «sócio-afetivos», desligados do pressuposto biológico em que medra- ram, estão condenados a perecer; conservar a paternidade contra a vontade do impugnante não é dar prevalência a uma «verdade sociológica» − irremediavelmente perdida –, mas depositar expectativas insólitas na força emocional do vínculo jurídico; neste contexto, o direito à família e à proteção na infância do filho têm um peso diminuído por factos incontornáveis e inelimináveis; acresce que nos situamos agora num domínio em que o legislador goza de liberdade dilatada de conformação política, solidamente ancorada no princípio democrático, pelo que um juízo de inconstitucionalidade teria de passar pela demonstração de que a solução encontrada pelo legislador é manifestamente despropor- cionada.

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