TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
330 XI – Não sendo esse o caso – o regime vigente, não sendo porventura o único admissível, constitui uma resposta equilibrada para um problema melindroso, devendo ser respeitado e aplicado pelos tribunais, quaisquer que sejam as opiniões de cada juiz sobre o mérito da lei – resta julgar o recurso procedente, no que respeita à norma, extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, que estabe- lece que a ação de impugnação da paternidade pode ser intentada pelo marido da mãe no prazo de três anos desde que teve conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Instância Central 1.ª Secção de Família e Menores, em que é recorrente o Ministério Público e recorridas A. e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença daquele tribunal, de 3 de março de 2017. 2. Na origem do presente recurso de constitucionalidade está a ação de impugnação da paternidade estabelecida por perfilhação proposta por C. contra as ora recorridas – que figuram na referida ação, res- petivamente, como primeira e segunda ré. Para boa decisão do recurso de constitucionalidade, afigura-se imprescindível um relato sumário da causa subjacente. O autor iniciou uma relação amorosa com a primeira ré em 1999, relação que terminou em 2010, por iniciativa do autor. Entretanto, em 29 de fevereiro de 2000, a primeira ré deu à luz a segunda ré, a qual foi perfilhada pelo autor e, como tal, registada como sua filha. Em maio de 2012, foi homologado por sentença judicial acordo dos pais quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do qual a menor ficou confiada à guarda e cuidados de sua mãe e se fixou a pensão de alimentos devida pelo pai. No mesmo ano, o autor contraiu matrimónio com outra mulher; em finais de 2014, não tendo o casal conce- bido, como pretendiam os cônjuges, decidiram estes fazer exames médicos, dos quais resultou para o autor o diagnóstico de azoospermia (contagem de zero espermatozoides). Na sequência desse facto, o autor realizou um teste de paternidade, que determinou não ser ele o pai biológico da segunda ré. Propôs então a ação de impugnação da perfilhação contra as rés – mãe e filha –, a qual foi contestada pela primeira, que requereu a realização de novo teste de paternidade, administrado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal; ordenada a realização do mesmo pelo juiz, dele resultou que o autor não é pai biológico da segunda ré. Concluída a sessão de discussão e julgamento, o juiz proferiu a sentença recorrida, julgando a ação de impugnação da perfilhação improcedente e, por conseguinte, absolvendo as rés do pedido. Para alcançar semelhante conclusão – sem prejuízo de ter dado por provado que o autor não é pai biológico da segunda ré –, recusou sucessivamente a aplicação nos autos do n.º 2 do artigo 1859.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º, ambos do Código Civil, com fundamento em inconstitucionalidade. Com interesse para a apreciação do presente recurso, pode ler-se na decisão recorrida: «Fundamentação Jurídica: Não obstante os grandes avanços da genética, nomeadamente no campo da clonagem, tanto quanto se sabe atualmente, toda a pessoa física é procriada direta ou indiretamente por um homem e por uma mulher e, porque é assim, todo o indivíduo tem um pai e (pelo menos) uma mãe biológicos.
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