TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
430 IV – Também não se apresentam como relevantes outras eventuais projeções do princípio do Estado de direito democrático; a invocada violação dos princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito não ocorre numa hipótese de simples nulidade (aquela que está em causa), carecendo de fundamento a invocada violação do disposto no artigo 2.º da Constituição. V – Resultando estabelecido no processo que se trata de uma hipótese que poderíamos designar de nuli- dade-padrão – enquadramento que não cabe ao Tribunal Constitucional reapreciar –, ou seja, sem especificidades normativas que conduzam à excecional tutela de um dos contraentes perante o outro ou terceiros – caso em que a invalidade é, simplesmente, invocável por uma parte no confronto com a contraparte – poderia o dominus opor à recorrente a nulidade do contrato, em momento ante- rior à expropriação, e, perante a respetiva ineficácia, reaver o uso do prédio; neste enquadramento, não encontra qualquer justificação a pretensão de, após a expropriação, a entidade expropriante ou o Estado ficarem em posição mais desfavorável do que a do proprietário expropriado, obrigados a indemnizar a perda de um suposto direito originado num contrato inválido e ineficaz, não encontrado semelhante hipótese acolhimento ao abrigo da ideia de justa indemnização, visto que esta não seria justa: não só se apresentaria contrária ao direito, como mais ampla (penalizadora para o Estado) do que aquela que decorria das posições jurídicas anteriores à expropriação, designadamente agravando a posição em que subingressa o Estado, não bastando invocar, para afastar esta conclusão, que as partes assumiram comportamentos de locador e locatário, sob pena de inutilizar, simplesmente, o regime da nulidade dos negócios jurídicos. VI – Deste modo, não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade, pois nem a recorrente se pode afirmar em situação comparável à dos arrendatários que celebraram contratos de arrendamento não nulos (o que implicaria considerar tal circunstância irrelevante para a formação do direito à indemni- zação, o que não é fundado nem razoável), nem é arbitrária a distinção entre as categorias em causa (pelas mesmas razões, desde logo), visando proteger interesses legítimos de segurança das relações jurí- dicas, que o legislador pode e deve acautelar; trata-se de uma distinção suficientemente fundada, que nada tem de arbitrário, sendo, pelo contrário, apta a manter a congruência entre os valores de mercado e os valores arbitrados no processo de expropriação; pelos mesmos motivos, mutatis mutandis , não ocorreria qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça. Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – A Causa 1. No âmbito do processo de expropriação por utilidade pública n.º 314/12.7T2MFR, que correu os seus termos na (então designada) secção cível de Mafra – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido despacho de adjudicação de determinado imóvel, datado de 11 de setembro de 2015, no qual se decidiu pela ilegitimidade da interessada A., Lda. (a ora recorrente), em síntese, por se apresentar como arrendatária com base em contrato de arrendamento nulo. 1.1. Desta decisão apelou a interessada para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, inter alia, que “[…] a interpretação dos artigos 220.º, 289.º e 1069.º do Código Civil no sentido de que, por não ter sido
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