TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

490 ao abrigo de lei de autorização legislativa, não decorrendo da lei-quadro das entidades reguladoras estipulação que se possa reconduzir positivamente à disciplina processual do efeito do recurso judicial. IV – Para além da remissão para o regime penal [alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do Código de Processo Penal, aplicável às contraordenações ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro], o diploma de enquadramento do direito de ordenação social não deixou de integrar disciplina que tem implícita a opção funda- mental pelo efeito suspensivo da impugnação judicial, vedando a execução da decisão administra- tiva sancionatória em caso de impugnação previstos no artigo 59.º do RGCO, o que decorre do artigo 58.º do RGCO, onde se estipulam os requisitos a que deve obedecer a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias, sendo imposta a explicitação, no texto da própria decisão, que a condenação apenas se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada e que o ter- mo inicial do prazo para pagamento da coima apenas ocorre «após o caráter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão». V – Assim, o legislador governamental, ao estipular como regime-regra da impugnação judicial o efeito devolutivo, veio regular matéria coberta pelo regime geral do processo contraordenacional, que alte- rou no âmbito regulatório da saúde sem que se encontrasse credenciado por autorização parlamentar, infringindo desse modo a reserva relativa de competência da Assembleia da República, estabelecida pela alínea d) do artigo 165.º da Constituição. VI – Idêntico vício de inconstitucionalidade orgânica deve ser afirmado quando se perspetiva a alínea b) do mesmo artigo 165.º da Constituição, face à restrição que a solução normativa em equação acarreta ao funcionamento do princípio da presunção de inocência, inequivocamente assegurado no domínio sancionatório contraordenacional pelo artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição; a medida legislativa questionada – que determina que o recurso das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolutivo, fixando a atribuição de efeito suspensivo à prestação de caução e alegação de prejuízo considerável, para o recorrente, decorrente da execução da decisão –, na medida em que comporta uma compressão do princípio de presunção da inocência, encontra-se sujeita ao regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias: a restrição dos direitos, liberdades e garantias apenas pode dar-se por lei da Assembleia da República ou por decreto- -lei do Governo no uso de uma autorização legislativa; as eventuais restrições que o direito ordinário pretenda estabelecer ao respetivo âmbito de proteção constituem competência parlamentar exclusiva; estando em causa a compressão de um direito, liberdade e garantia, através de uma norma que integra um decreto-lei do Governo não autorizado, verifica-se a violação da reserva legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. VII – A norma sob apreciação é organicamente inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da Cons- tituição, ficando prejudicado o conhecimento de mérito dos demais fundamentos invocados.

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