TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
502 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma. IV – No que toca ao uso de presunções em matéria sancionatória o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 276/04, procedeu a uma interpretação conforme à Constituição do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código da Estrada, firmando que tal normativo apenas estabelece uma presunção ilidível; ora, no caso presente, a sobredita interpretação conforme à Constituição não se afigura possível, pois a norma contida no artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006 – por reporte ao prazo previsto no n.º 1, cujo teor é, aliás, claramente inspirado no artigo 152.º, n.º 1, do Código da Estrada – é expressa ao fazer precludir “definitivamente” a possibilidade de ilidir a presunção decorrido aquele prazo, estabelecendo uma presunção inilidível da prática da contraordenação. V – Embora o conceito de culpa em matéria de contraordenações revista um significado específico, poden- do ser compatível quer com situações excecionais de transmissibilidade da responsabilidade, quer com um conceito amplo de autoria, nos casos de transmissão da responsabilidade já anteriormente analisa- dos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, pré-existia uma conexão objetiva entre o sujeito passivo responsável pela contraordenação e os sujeitos responsáveis pelo pagamento da coima, fosse ela uma conexão orgânica ou contratual, tendo sido, no âmbito da atividade desenvolvida pelo organismo em causa ou à qual se destinava o contrato, que foi praticada a contraordenção; por outro lado, no que ao conceito amplo de autoria respeita, tal conceito assenta ainda numa exigência causal, apenas podendo ser considerado autor de uma contraordenação quem tiver contribuído para a realização do tipo, tendo dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, de onde se retira um conteúdo mínimo do princípio da culpa, assente na exigência de um nexo causal mínimo entre o autor e a prática da contraordenação em causa. VI – Ainda que se considere que o princípio da culpa não reveste o mesmo significado em matéria con- traordenacional, a interpretação sob apreciação – no sentido de que, sempre que não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contraordenação, é sempre responsável pelo pagamento das coimas a aplicar, das taxas de portagem e dos custos administrativos em dívida, o proprietário do veículo, identificado no registo, tornando-se essa presunção inilidível em sede do próprio processo judicial de impugnação da decisão administrativa – afronta o conteúdo mínimo do princípio da culpa, ao impor a responsabilidade do proprietário registado do veículo que faltou ao pagamento da coima e das custas, independentemente da sua real participação nos factos e mesmo na ausência de qualquer ligação com o autor da infração à data dos mesmos; a mencionada interpretação impõe a responsabilização de quem pode não ter tido qualquer participação, conexão ou ainda apro- veitamento pessoal dos factos praticados. VII – A norma ora sindicada, relativa à falta de pagamento de taxa de portagem, ao contrário do que suce- de com as normas de responsabilidade contraordenacional em infrações rodoviárias, não estabelece qualquer responsabilidade subsidiária do titular do documento de identificação do veículo pelo paga- mento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contraordenação e, na interpretação sub judice , caso aquele titular não identifique outra pessoa num prazo de 30 dias, não lhe é mais permitido ilidir a presunção da sua responsabilidade, mesmo em sede de impugnação judicial e, ainda de acordo com a referida interpretação, decorrido o referido prazo de quinze dias, o ex-proprietário do veículo – ainda que comprovada a venda do mesmo, mas não se encontrando a mesma registada –, responderá sempre pela prática das contraordenações em causa, decorrido o aludido prazo; ora, tal
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