TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
503 acórdão n.º 338/18 responsabilização faz perigar o núcleo essencial do princípio da culpa que, ainda que em matéria de contraordenações, se impõe ser reconhecido, sob pena de postergar um mínimo de previsibilidade sobre as consequências dos comportamentos individuais, o que é insustentável num Estado de direito. VIII– Tal solução legal não se afigura minimamente proporcional às pretensões do legislador: obter o paga- mento de taxas de portagem e a responsabilização contraordenacional pela falta desse pagamento pois, por infrações mais graves ( v. g. , infrações estradais), a lei não estabelece qualquer presunção juris et de iure de responsabilização contraordenacional, restando concluir que a presunção inilidível, em sede de processo judicial, de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo ou do locatário que resulta do decurso do prazo previsto na lei para a indicação do condutor, viola o conteú- do mínimo do princípio da culpa. IX – As genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas no artigo 20.º (garantia de processo equitativo), quer ainda, mais especificamente, no artigo 268.º, n.º 4 (garan- tia aos administrados, da tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente prote- gidos), não são postas em causa pela norma objeto do presente recurso, já que ela não veda, em si, a possibilidade de se impugnar judicialmente a decisão administrativa – a qual, aliás, foi exercida no caso em presença –, porém, quer o direito de acesso a uma impugnação judicial de decisões adminis- trativas que se queira efetiva, quer o próprio direito de acesso aos tribunais em geral – o qual reclama expressamente uma tutela jurisdicional efetiva –, não se bastam com a simples garantia formal de aces- so aos tribunais por parte dos administrados; da consagração do direito à tutela jurisdicional efetiva derivam vários corolários que se repercutem em exigências materiais que devem enformar a específica modelação dos processos e os direitos das partes. X – Um deles é o direito de defesa e do contraditório, que em processo jurisdicional de impugnação de medida sancionatória assume a relevância de um verdadeiro direito de defesa, e não se basta com a simples garantia de audição ou de apresentação de provas, exigindo que as partes não só tenham direi- to a apresentar razões, oferecer provas e tomar posição sobre as provas do adversário, mas ainda que, através desses meios, possam exercer uma influência efetiva na decisão; um princípio do contraditório que se baste com um momento processual formal de audição, sem que o mesmo possa ter qualquer relevância para a decisão, não garante materialmente que as posições das partes sejam efetivamente consideradas pelo decisor. XI – Este entendimento amplo do direito à tutela jurisdicional efetiva não é minimamente satisfeito na nor- ma objeto do presente recurso; entender a norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, no sentido de estabelecer uma presunção inilidível, independentemente da prova que sobre a autoria for feita mesmo em processo judicial, não permite ao arguido poder, através do recurso jurisdicional, alterar a decisão administrativa que foi tomada sobre a autoria do ilícito, através de prova que a invalide, nem permite ao tribunal conhecer desta última, não permitindo, em suma, exercício material de um direito de impugnação judicial que a Constituição confere ao administrado (acoimado) por ela visado, nem a garantia da tutela jurisdicional efetiva plasmada no artigo 20.º da Constituição. XII – O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito san- cionatório público, pelo que este princípio encontra, pois, aplicação também no processo contraor- denacional, pelo que o entendimento da norma ora questionada como estabelecendo uma presunção
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