TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

53 acórdão n.º 242/18 acesso aos tribunais e a garantia de a eles aceder em caso de insuficiência de meios económicos e, por outro lado, em virtude de não estar demonstrada a impossibilidade de, por natureza, aquele tipo de sujeitos se ver inibido ou impedido de recorrer à justiça por razões económicas; para além disso, e acrescendo às razões literais e teleológicas inerentes ao próprio artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que contrariam uma opção legislativa como a consagrada no artigo 7.º, n.º 3, da LADT, a verdade é que o citado entendimento se baseia em pressupostos que não são exatos e não considera os desenvolvimen- tos mais recentes quanto à interpretação dos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), nomeadamente no seu artigo 47.º (Direito à ação e a um tribunal imparcial). VIII– Desde logo, a isenção de custas legalmente prevista não visa salvaguardar – nem salvaguarda – a pro- teção jurídica constitucionalmente garantida; depois, nada na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) se opõe à concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos; aliás, bem pelo contrário, como resulta da evolução jurisprudencial sobre a matéria em diálogo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça; finalmente, o direito a uma proteção jurisdicio- nal efetiva garantido pelo artigo 47.º da CDFUE pode exigir, dependendo das circunstâncias do caso concreto, justamente, a concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem que tal possa ser considerado como disfuncional relativamente às regras da concorrência num mercado eficiente. IX – O Tribunal Constitucional já declarou que o direito de acesso aos tribunais tem como dimensão inerente a garantia de não ser denegada a justiça por falta de meios económicos; tratando-se de uma simples vertente do direito de acesso aos tribunais, a unidade de conteúdo do mesmo direito postula prima facie que os respetivos titulares possam beneficiar de todas as suas faculdades; a dimensão garan- tística (segundo a qual ninguém pode ser impedido de recorrer a tribunal por força da sua condição económica) é incindível do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva: sendo atribuído a pes- soas coletivas com fins lucrativos o direito de acesso aos tribunais, este direito não pode ser postergado por não existirem os mecanismos para a sua tutela económica. X – Também não procedem os argumentos da incompatibilidade estrutural daquele direito com o escopo lucrativo do leque de sujeitos em causa, raciocínio que assenta, por um lado, na convicção de que a condição de insuficiência económica pressuposta pela Constituição na parte final do n.º 1 do artigo 20.º se não verifica, por natureza, nestes sujeitos; e, por outro lado, na consideração de que aquela garantia irradia do princípio da dignidade da pessoa humana e, por isso, apenas é imposto para as pessoas singulares. XI – O TEDH tem declarado por diversas vezes que as pessoas coletivas com fins lucrativos são titulares de muitos dos direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH); no que se refere à invocada incompatibilidade estrutural da garantia do acesso à justiça com a prossecução de fins lucrativos, a verdade é que é possível que pessoas coletivas com tais fins se vejam efetivamen- te colocadas em situação de insuficiência económica para suportar os custos de uma ação judicial, estejam ou não em situação de insolvência, e possam ou não repercutir tais despesas na sua atividade financeira; a situação de insolvência – entendida tanto como impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, como enquanto superioridade manifesta do passivo relativamente ao ativo –, só por si, não pode implicar como efeito automático a ablação da titularidade do direito fundamental a que se refere o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=