TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
664 IV – Nos termos em que o tribunal de júri foi consagrado na Constituição de 1976 resulta que o funda- mento do tribunal de júri só pode encontrar-se na ideia de participação popular na Administração da justiça, não podendo ver-se neste tribunal uma qualquer forma exclusiva de garantia subjetiva do arguido, de garantia da presunção de inocência ou um direito de o arguido ser julgado pelos seus pares, não podendo afirmar-se que o processo legislativo de diminuição dos poderes dos jurados, em sede de matéria de facto, agora sujeita a revisão por um tribunal superior, viole o parâmetro constitucional invocado na decisão recorrida ou qualquer outro; estando a norma do artigo 207.º da Constituição colocada no Título V, «Tribunais», juntamente com o artigo 202.º, relativo à função jurisdicional, tal indicia que os tribunais de júri, apesar da sua especificidade, são tribunais comuns, inseridos na hierarquia dos tribunais judiciais, e que as suas decisões não estão fora do sistema unitário de recursos moldado pelo legislador do Código de Processo Penal. V – Por outro lado, apesar de a participação dos cidadãos na administração da justiça ser portadora de um simbolismo específico e de constituir um meio importante de comunicação entre a comunidade e os tribunais – aspeto que é valorado positivamente pela Constituição –, a mesma não põe em causa a unidade da jurisdição nem a sua legitimidade democrática; inexiste, no quadro constitucional vigen- te, fundamento que consinta o estabelecimento de uma distinção quanto ao grau de legitimidade democrática entre o tribunal de júri e o tribunal constituído em exclusivo por juízes togados nem fundamento que imponha ao legislador ordinário um regime específico de recurso para os tribunais de júri; na conceção do legislador constitucional, tribunais de júri e tribunais compostos exclusivamente por juízes profissionais são, todos eles, tribunais judiciais, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo; os mesmos constituem parte integrante do arquétipo do modelo de justiça vigente e estão subordinados às mesmas garantias. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu, na sequência de recurso interposto pela arguida A., acór- dão que revogou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, recusando a aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, das disposições conjugadas dos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b) , do Código de Processo Penal (CPP), enquanto permitem ao Tribunal da Relação a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do mesmo Código (fls. 2177, fls. 22 do acórdão recorrido). Com efeito, os arguidos A. e B., sujeitos a julgamento, com intervenção do Tribunal de júri, em pri- meira instância, foram sentenciados nos seguintes moldes: i) a arguida foi, por um lado, absolvida, da prá- tica em co-autoria com o arguido, de um crime de homicídio qualificado e, por outro lado, condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de roubo e de um crime de profanação de cadáver; ii) o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de homicídio qualificado, um crime de roubo e um crime de profanação de cadáver.
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