TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por um lado, porque a audição do devedor pelo administrador judicial provisório não realiza o con- teúdo do direito fundamental, que confere aos cidadãos o direito de fazer chegar ao tribunal as suas razões. A que acresce o facto de, mesmo que bastasse a audição pelo administrador judicial provisório, esta não estar assegurada: “a lei não exige que o administrador judicial da insolvência ouça o devedor depois de concluir que este está em situação de insolvência ou que comunique ao devedor que o quer ouvir sobre a intenção de requerer a insolvência. O devedor pode ter sido ouvido pelo administrador judicial provisório sem ter em conta concretos argumentos deste último” (Alexandre Soveral Martins, Um curso… , cit., p. 549). Por outro lado, porque aquela argumentação radica numa sobreposição do direito ao recurso ao princípio do contraditório, já que se sufraga a suficiente defesa do devedor por força da possibilidade de o devedor deduzir embargos ou recorrer da declaração de insolvência. Ora na impugnação da declaração da insolvência não está já em causa o princípio do contraditório (enquanto garantia de processo equitativo) mas o direito ao recurso das decisões – que tendo em comum o facto de constituírem garantias de defesa processual, não se sobrepõem. A isto acresce que, na interpretação normativa cuja constitucionalidade foi posta em crise, não é clara sequer a viabilidade de impugnação: os presentes autos incidem sobre a interpretação segundo o qual o parecer do administrador equivale à apresentação à insolvência pelo próprio devedor, pelo que é controversa a admissibilidade da sua refutação. Assim, na expressão do Acórdão n.º 401/17, da 3.ª Secção, (cfr. II, 15 – replicada nas Decisões Sumárias n. os 555/17 e 169/18, da 3.ª Secção e, ainda, nos Acórdãos n.º 771/17, da 1.ª Secção, e n.º 55/18, da 2.ª Secção): “(...) verifica-se que a norma agora objeto de fiscalização impossibilita a defesa do devedor perante o Tribunal, em face do regime associado ao requerimento do administrador judicial provisório no sentido da insolvência do devedor na sequência do encerramento do PER sem aprovação do respetivo plano especial de revitalização, não se prevendo qualquer participação do mesmo no processo que se segue ao do referido requerimento, pese embora não tenha manifestado a sua anuência quanto à requerida insolvência (e se possa ter manifestado antes da emissão do parecer pelo AJI e perante este). Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE – e da aplicação do artigo 28.º do CIRE com as devidas adaptações, para o qual aquela disposição remete –, o requerimento do AJP no sentido da insolvência do devedor é feito equivaler à apresentação à insolvência por parte do devedor, implicando o reconhe- cimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial (o que, com as necessárias adaptações, aqui se compreende por referência ao parecer do AJP com requerimento de insolvência do devedor). Isto, mesmo quando o devedor se tenha oposto ao parecer/requerimento do administrador judicial provisório no sentido da declaração da sua insolvência (ou não tenha manifestado a sua concordância). Na sua formulação a norma configura, assim, um processo de insolvência requerido e decidido à margem da intervenção do devedor nesse mesmo processo e perante o Juiz. Contudo, a declaração de insolvência do devedor – cuja participação no processo judicial assim configurado é omissa – não deixa de apresentar fortíssima projeção no estatuto do insolvente, associando-se-lhe um feixe de obrigações e constrangimentos que assumem inegável relevo na esfera jurídica daquele a quem a declaração de insolvência visou. Com efeito, ao fazer equivaler o requerimento de insolvência do devedor à sua apresentação à insolvência (nos casos, como ocorre nos autos, em que o devedor não concordou com o parecer e requerimento do AJP quanto à sua insolvência) e ao fazer avançar o processo de insolvência para uma declaração a proferir no curtíssimo prazo com termo no 3.º dia útil seguinte ao da apresentação do requerimento do AJP (o que, para além da remissão para o artigo 28.º, é também corroborado pelo teor da norma contida no n.º 3 do mesmo artigo 17.º-G do CIRE), o legislador não apenas postergou qualquer possibilidade de o devedor trazer a juízo os factos e as razões que pudes- sem levar a conclusão diversa quanto à sua situação de insolvência, como configurou um processo sem paralelo por
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