TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

101 acórdão n.º 675/18 comparação com os processos em que a iniciativa coube a terceiros, em especial, os próprios credores (tal como permitido pelo artigo 20.º do CIRE). A isto acrescem outras limitações que para o devedor podem decorrer do requerimento do AJP no sentido da insolvência quanto a certos mecanismos previstos no CIRE e que, por aquela razão, podem ser afastados (vide os artigos 224.º, n. os 1 e 2 e 236.º, n.º 1, ambos do CIRE – respetivamente, administração da massa insolvente pelo devedor e pedido de exoneração do passivo restante, ficando naquele caso afastada a possibilidade de o devedor requerer tal exoneração). Assim sendo, a norma constante do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE, tal como interpretada no caso dos autos, configura uma restrição ao direito fundamental de defesa em tribunal, previsto no artigo 20.º da CRP, não garan- tindo ao devedor a defesa da sua posição mediante um processo equitativo”. 9. Todavia, a restrição operada não implica necessariamente a inconstitucionalidade, porquanto “o legis­ lador dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do processo” (Acórdão n.º 251/17; Lopes do Rego, “Os princípios…”, cit., p. 839). Com efeito, “o princípio da proibição da indefesa não é um princípio absoluto, devendo ser ponderado com outros princípios conflituantes, o que pode levar à limi- tação do seu alcance desde que não se transforme numa restrição intolerável” (Acórdão n.º 286/11). Aliás, a Constituição não impõe um determinado modelo de processo, podendo por isso introduzir limitações ao princípio do contraditório ou até diferir o seu exercício (Rui Medeiros, cit., p. 446; Armindo Ribeiro Mendes, “Constituição e Processo Civil”, in Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida , Coimbra Editora, 2007, pp. 562-563; Lopes do Rego, “O direito fundamental...”, cit., pp. 736 e 744). É por isso que, em sede de contraditório, o Tribunal Constitucional já considerou que fundadas exigências de celeridade e efetividade do direito podem diferir o cumprimento do contraditório, limitando o direito a apresentar razões antes da decisão ser tomada. É o caso das medidas cautelares que, atenta a não definitivi- dade dos seus efeitos e a eficácia pretendida – que pode implicar o propósito de surpreender o requerido (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2.ª edição, 2000, p. 54).  Simplesmente, a limitação dos direitos de defesa do devedor só pode ter-se por constitucionalmente admissível mediante o cumprimento cumulativo dos pressupostos de restrição dos direitos fundamentais submetidos ao regime dos direitos, liberdades e garantias – designadamente contidos nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Isto é, a discricionariedade legislativa na modelação dos processos não está imune aos limites constitucionais (Lopes do Rego, Os princípios… , cit., p. 839). Há pois que indagar se a norma do CIRE em causa, por ter ínsita uma restrição aos direitos do devedor, de defesa e ao contraditório, consagrados no artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, ainda que concorrendo para o referido e inegável interesse da celeridade processual – valor que lhe está subjacente e também prote- gido pelo artigo 20.º, n.º 5, da Constituição –, respeita os limites impostos pelo princípio da proporciona- lidade, à luz dos três subprincípios e correspondentes testes concretizadores do mesmo resultantes da juris- prudência constitucional (por todos o Acórdão n.º 187/01): adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Considerando o inegável valor da celeridade processual que a norma sindicada, no quadro do CIRE, no âmbito da margem de conformação do legislador democrático, não deixa de assegurar, afigura-se evi- dente que a medida ínsita na norma sindicada se mostra adequada à prossecução de tal fim público legítimo – a celeridade do processo de insolvência – mostrando-se assim superado o primeiro dos referidos testes concretizadores do princípio da proporcionalidade. E, de modo similar, se pode sem grande dificuldade admitir que aquela medida possa ainda ser necessária para a prossecução do fim público da celeridade processual, por não se descortinarem outras medidas com menor intensidade lesiva do direito de defesa em tribunal e ao contraditório passíveis de prosseguir em ter- mos idênticos o interesse público em causa.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=