TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, é no âmbito da sujeição ao teste da proporcionalidade em sentido estrito que a norma em análise se revela problemática, por não se afigurar existir uma relação equilibrada entre o interesse público a prosseguir e o grau de restrição da posição do credor afetado pela medida ínsita na norma. Com efeito, apesar de a norma em causa ter sido introduzida por Lei da Assembleia da República e ainda que a solução concorra para o indiscutível interesse da celeridade processual (constitucionalmente tute- lado no artigo 20.º), fá-lo de forma desequilibrada e desproporcionada, produzindo efeitos que não podem considerar-se necessários. Desde logo, não estando o PER vedado às pessoas individuais com atividade empresarial (cfr. Cata- rina Serra, O Processo… , cit., pp. 35 a 37; Paulo Tarso Domingues, “O processo especial de revitalização aplicado às sociedades comerciais”, I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso , org. Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2014, p. 14; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, cit., p. 13), impedir o devedor singular de discutir a declaração de insolvência pode ter como efeito vedar-lhe o pedido de exone ração do passivo restante (que teria de ser simultâneo com a apresentação à insolvência – artigo 236.º do CIRE) ou a administração da massa insolvente [que depende daquele requerimento pelo devedor, nos termos do artigo 224.º, n.º 2, alínea a) , do CIRE], excedendo por isso o necessário ao efeito de celeridade que se pretendia. Por outro lado, a interpretação normativa em crise pode ter por efeito a postergação cabal do contra- ditório, declarando-se a insolvência sem que o devedor se possa opor antes ou mesmo depois. Na verdade, porque a norma interpretativamente extraída da disposição do n.º 4 do artigo 17.º-G do CIRE implica a equivalência do parecer ao pedido de insolvência pelo próprio devedor, é conjeturável a denegação de impugnação em sede de embargos (tidos como contraditório subsequente), como bem sublinhou o Tri- bunal da Relação do Porto no acórdão de 26 de março de 2015, proc. 89/15.8T8AMT-C.P1: “partindo do pressuposto, como sustentam, que o legislador faz equivaler o parecer do Administrador ao recon- hecimento da situação de insolvência pelo Devedor e que este se apresentou à insolvência, nos termos do art. 28.º do CIRE, é contraditório estar a conferir ao Insolvente, nos termos do artigo 40.º n.º 2, do CIRE, o direito de embargar, alegando factos que afastem os fundamentos dessa insolvência, quando antes se presumiu que confessara a sua insolvência. De resto, o direito de embargar não é sequer conferido ao Insolvente na situação em que o devedor se apresenta à insolvência”. Ora, um dos limites que vêm sendo traçados às restrições ao princípio do contraditório é o de não o postergar de modo irremediável ou definitivo, atentos os efeitos produzidos (Lopes do Rego, Os princípios constitucionais… , cit., p. 840). Isto é, “nos casos excepcionais em que o réu apenas é ouvido depois de uma providência ser decretada, «a audição do réu deve ser garantida ex post , sendo-lhe então possibilitados meios de defesa tanto quanto possível idênticos aos que teria se o contraditório fosse assegurado desde o início»” (Lopes do Rego, Acesso ao direito…, cit., p. 59), o que não é compatível com a definitividade da declaração de insolvência que a norma em crise comporta. Nessa medida, independentemente da questão de saber se já se transgrediu o limite do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição (como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 17 de novembro 2015, proc. 801/14.2TBPBL-C.C1.S1), haverá, pelo menos, uma limitação desproporcionada dos direitos de defesa do devedor. Isto é, à luz de um juízo de proporcionalidade em sentido estrito, têm-se em conta as consequências da denegação ao contraditório prévio à decisão judicial (cfr. Acórdão n.º 350/12) – que, no caso, envolvem a privação dos poderes de administração e disposição dos bens da massa insolvente como efeitos jurídicos da declaração da insolvência. A esta luz, a restrição (ou supressão) das garantias de defesa do devedor revela-se desproporcionada perante o interesse de celeridade processual que se pretendia atingir, impedindo o devedor de alegar e provar factos que pudessem conduzir a um juízo de inexistência da situação de insolvência.
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