TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
103 acórdão n.º 675/18 Dito de outro modo: a norma não realiza a concordância prática entre os dois valores que era constitu- cionalmente imposta. Como se afirma no Acórdão n.º 497/96, “facilmente se reconhece que este princípio [da celeridade processual] se não pode sobrepor ou dispor de maior grandeza do que os princípios da verdade material – e da igualdade processual ou igualdade de armas, que indiscutivelmente o servem”, razão pela qual aquele valor não pode “aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacen- tes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional justa, adequada e ponderada” (Lopes do Rego, O direito fundamental... , cit., p. 762). É aliás neste sentido que vai a jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a outras normas que consagravam a omissão de audição de uma das partes sobre um parecer de um terceiro que viesse a produzir efeitos jurídicos desfavoráveis (Acórdãos n. os 82/07 e 186/10, em que foi julgada a inconstitucionalidade, res- petivamente, da norma que, em sede de recurso das decisões do Conselho Superior da Magistratura (CSM), permitia ao Ministério Público a emissão de parecer sobre a questão prévia da legitimidade ativa sem que fosse dada ao recorrente a possibilidade de sobre ele se pronunciar; e da norma que permitia ao juiz relator, também em sede de recursos das deliberações do CSM, suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade do recurso sem dar possibilidade ao recorrente de sobre ela se pronunciar antes da decisão – casos em que a pret- erição de uma das partes na sua audição antes da tomada de decisão foi tida como “violadora do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República, na sua dimensão essencial de direito ao contraditório (« audiatur altera pars »)” – Acórdão n.º 186/10). É a referida desproporção que parece verificar-se na norma sub iudice , como decorre do Acórdão n.º 401/17, da 3.ª Secção (replicado nas Decisões Sumárias n. os 555/17 e 169/18, da 3.ª Secção e, ainda, nos Acórdãos n.º 771/17, da 1.ª Secção, e n.º 55/18, da 2.ª Secção): “E esta restrição não parece encontrar justificação bastante nos demais direitos e bens constitucionalmente protegidos que habilitasse, em ponderação e de acordo com critérios de proporcionalidade e justa medida, ade- quar o regime normativo em presença aos ditames constitucionais derivados dos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Lei Fundamental. Pode reconhecer-se que a expedita solução legal de fazer equivaler o requerimento do AJP à apresentação à insolvência pelo devedor, que assim se vê compelido a reconhecer a sua situação de insolvência (não obstante não ter manifestado a sua anuência ou mesmo tendo-se oposto às conclusões do parecer que habilitaram tal conclusão), a decidir no 3.º dia útil posterior ao da apresentação do requerimento, é seguramente informada pelo valor da celeridade processual – a que o próprio artigo 20.º da CRP não deixa de se referir no seu n.º 5 –, ao qual se reco- nhece assumir especial relevância na condução de processos de insolvência. Do mesmo passo, reconhece-se que a ponderação do parecer do AJP – emitido na sequência de um processo especial de revitalização que não logrou a aprovação do plano de revitalização e assim incluindo toda a informação relevante obtida no âmbito do processo que o antecedeu que permita aferir da situação do devedor – representa também para o processo um factor de celeridade e economia processual. Todavia, o objetivo de celeridade, cuja relevância na condução dos processos de insolvência é evidente (seja em benefício dos credores cujos direitos se prosseguem e protegem, seja em benefício do próprio devedor, assim se definindo o seu estatuto) não se afigura constituir por si só um objetivo absoluto que justifique a desconsideração da posição do devedor/insolvente nos autos de insolvência que se seguem à emissão do parecer e requerimento do administrador judicial provisório com vista à declaração de insolvência do devedor. Acresce que, no processo de insolvência, o específico papel do administrador judicial (neste caso, provisório), ditado por obrigações de rigor técnico e de imparcialidade, dificilmente se compagina com o estatuto de parte num processo contraditório, de modo a discretear as razões que possam ser aduzidas em desfavor das conclusões por si alcançadas e dos elementos trazidos ao processo. Isto também tendo presente que o AJP não representa nem
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