TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

135 acórdão n.º 445/18 8. Os recorridos D., SGPS, S.A. e E., S.A., apresentaram as suas contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos (cfr. 8418 a 8426): «VI. Conclusões A. A sanção prevista no artigo 69.º, n.º 2, da Lei da Concorrência, pela qual as visadas vêm administrativamente condenadas, é a mais elevada sanção pecuniária prevista no ordenamento jurídico português para ilícitos Con- traordenacionais ou criminais praticados por pessoas colectivas. B. Ao invés do que sucede no processo penal, porém, esta sanção é aplicada num modelo concentrado, de matriz inquisitória, pela mesma entidade que conduz toda a investigação, que formula o juízo indiciário subjacente à apresentação da nota de ilicitude e que decide sobre a (im)procedência dos argumentos apresentados pelas visadas nas suas defesas. C. Apesar dos evidentes problemas de imparcialidade suscitados por este modelo, o legislador previu que o regime de impugnação da decisão administrativa deverá ter, em regra, efeito devolutivo, excepto quando da sua apli- cação possa resultar “prejuízo considerável”, caso em que sempre terá de prestar caução. D. Na prática, o regime que se encontra previsto para assegurar a eficiência e celeridade na aplicação das coimas tem como fundamento último o objectivo de desincentivar a interposição de recursos inúteis. Fá-lo, porém, à custa do direito fundamental a apresentar recursos úteis. Dito isto, E. A questão de constitucionalidade identificada na decisão recorrida não é exactamente aquela que é enunciada pelo Ministério Público e pela Autoridade da Concorrência nas suas alegações. F. Na verdade, à questão sumária e simplisticamente formulada nas alegações de recurso, adiciona-se um funda- mento que deve ser igualmente objecto de apreciação: a circunstância de a norma desaplicada excluir qualquer momento de ponderação judicial sobre a situação económica do visado ou sobre a necessidade de imposição de (elevados) constrangimentos financeiros ao visado para salvaguarda dos interesses prosseguidos pela norma G. Portanto, em rigor, o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (‘TCRS’) incidiu, sim, sobre a norma interpretativamente extraída do artigo 84.º, n.º 5, da Lei da Concorrência que estabelece que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima tem, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução em sua substituição, no prazo fixado pelo tribunal, independentemente da sua disponibilidade económica e sem atender à concreta necessi- dade de execução imediata da sanção ou de prestação de caução. H. Foi, portanto, com base na norma acima identificada que o tribunal a quo concluiu certeiramente no sentido da respectiva desaplicação com fundamento em inconstitucionalidade por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, do direito a tutela jurisdicional efetiva, do direito de audiência e defesa, bem como do princípio do Estado de direito democrático, previstos nos artigos 20.º, n.º 2, 268.º, n.º 4, 32.º, n.º 10, 18.º, n.º 2 e 2.º, todos da Constituição da República Portuguesa (‘CRP’). I. Vejamos, então, por que motivo improcede a tese do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência que pugna por solução inversa. Mas antes, J. É importante começar por assinalar que a aplicação acrítica de um modelo de garantias igual para todas as contraordenações é contrária à realidade jurídica e potencialmente geradora de lesões a direitos fundamentais tão ou mais graves do que as que seriam geradas pela aplicação de penas criminais. K. Desde logo porque a circunstância de o Direito das Contraordenações se encontrar entre o Direito Penal e o Direito Administrativo não implica que as suas coordenadas valorativas se encontrem permanentemente equi- distantes daqueles dois ramos do Direito.

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