TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

139 acórdão n.º 445/18 que tal disposição, além de ser aplicável a todas as instituições da União em qualquer dos seus âmbitos de atuação e ter uma natureza estritamente administrativa, traduz uma solução precisamente oposta àquela que veio a ser consagrada pelo legislador da norma objeto do presente recurso, uma vez que o direito da União consagrou o princípio do efeito meramente devolutivo dos recursos judiciais, enquanto o direito interno consagrou a regra desse mesmo efeito. § 4. Adicionalmente, em processos perante as autoridades de concorrência em que não se apliquem os artigos 101.º e 102.º TFUE (como aqui sucede), as regras e os princípios processuais do direito da União não são aplicáveis, não se colocando (designadamente por via do primado ou do efeito direto) a questão da interpretação e aplicação das legislações nacionais à luz do direito da União nessa matéria (cfr. §§ 7 – 9). D) O pressuposto da natureza para-jurisdicional das entidades reguladoras § 5. Para sustentar a natureza quase-jurisdicional da entidade reguladora em causa não basta afirmar a sua suposta independência, mas seria necessário demonstrar que a fase administrativa do processo contraor- denacional por alegada infração às regras da concorrência não seguisse uma estrutura puramente inqui- sitória, como sucede com os «tribunals» do direito inglês, que tipicamente seguem regimes processuais excluindo a acumulação das funções de investigar, acusar e julgar (cfr. §§ 10 – 12). § 6. A regra do efeito devolutivo da impugnação judicial, acompanhada da atribuição de efeito suspensivo apenas nos casos de prestação de caução pelo interessado, encontra paralelo apenas na impugnação dos atos tributários, nos quais, todavia, não está em causa um ato impondo uma sanção, a que deve estar subjacente a culpa do agente, mas precisamente um ato impondo uma obrigação pecuniária sem carácter sancionatório (cfr. § 13). E) O pressuposto de que a impugnação judicial das decisões condenatórias da AdC tem intuito dilatório § 7. Sobre a alegada “eficácia” e “celeridade”, que teriam justificado a instituição da regra do efeito devolutivo, a realidade desmente o receio da utilização da impugnação judicial como “prática dilatória”, na medida em que a esmagadora maioria das decisões condenatórias da AdC impugnadas, desde a sua criação em 2003 até aos dias, foi revogada, total ou parcialmente (mais de 85% em número de decisões e mais de 98% em valores de coima), o que infirma o pressuposto de base invocado para justificar o regime do artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC (cfr. §§ 16 – 17). § 8. Pelo contrário, o referido histórico, devidamente documentado, evidencia um risco sério (e real) de deci- sões infundadas proferidas pela AdC, reforçando, ao invés, o imperativo de suspensão dos efeitos de decisões da AdC de aplicação de coima, após impugnação judicial (cfr. §§ 14 – 19). II. Inconstitucionalidade material do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da LdC A) Da violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva e da independência dos Tribunais i. Enquadramento § 9. O princípio de acesso ao direito e de garantia de tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n. os 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição) é aplicável ao direito e ao processo contraordenacional. § 10. A atribuição de efeito devolutivo à impugnação judicial da decisão de AdC de aplicação de coima traduz- -se na imposição de ónus e desincentivos ao exercício do direito de impugnação judicial, seja a impug- nação fundada ou não (cfr. §§ 20 – 24). § 11. No processo contraordenacional, a impugnação judicial não é equivalente nem se reduz a um recurso em sentido estrito, antes corresponde ao exercício de um direito de ação – concretamente do direito de submeter o processo de contraordenação ao controlo judicial e à apreciação por uma entidade judicial (e distinta daquela que investigou, acusou e decidiu), abrindo-se por essa via uma instância jurisdicional autónoma, independente e de plena jurisdição. § 12. Só esse controlo judicial pleno permite atenuar os desequilíbrios da estrutura inquisitória que caracte- riza a fase administrativa do processo de contraordenação, em que a AdC atua com vastos poderes de investigação, instrução, decisão e sanção, e assim reparar, dentro do possível, o sacrifício para o direito de defesa que resulta da referida estrutura e da desigualdade de armas (cfr. §§ 25 – 30 e 33 – 35), para

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=