TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mais considerando os montantes muito elevados a que podem ascender as coimas aplicadas pela AdC, sem qualquer paralelo nos regimes contraordenacionais ditos comuns (cfr. § 31). § 13. Este entendimento é reforçado pela jurisprudência do TEDH, que equipara as sanções aplicadas por infração às normas da concorrência às sanções penais, para efeitos do artigo 6.º da CEDH, levando assim pressuposta a salvaguarda das garantias processuais que daí resultam, como a tutela jurisdicional efetiva e o correlativo efeito suspensivo do recurso de impugnação judicial (cfr. § 32). ii. A perda do efeito útil da impugnação judicial § 14. A solução normativa viola a garantia de tutela jurisdicional efetiva ao esvaziar a impugnação judicial de qualquer efeito útil, pois condiciona de forma gravosa o seu exercício, impondo ao arguido a antecipa- ção material dos efeitos punitivos da condenação arbitrada pela AdC num caso em que só a intervenção judicial permite atenuar os desequilíbrios da estrutura inquisitória que caracteriza a fase administrativa do processo de contraordenação (cfr. §§ 36 – 37). iii. Sobre o propósito de desincentivar impugnações judiciais infundadas § 15. A regra do efeito devolutivo da impugnação judicial não desincentiva apenas impugnações judiciais infundadas; desincentiva quaisquer impugnações judiciais, mesmo que fundadas, atendendo aos pesados ónus a que se submete o arguido, correspondentes à antecipação material dos efeitos punitivos da decisão condenatória (não definitiva) da AdC. § 16. Pelos valores constitucionais envolvidos, mais importante e premente do que desincentivar impugnações judiciais infundadas ou dilatórias é evitar decisões condenatórias infundadas da AdC – o que veda ao legislador a colocação de entraves substanciais ao exercício do direito de impugnação judicial em causa e implica que lhe sejam atribuídos efeitos úteis, em que se inclui, desde logo, a atribuição de efeito sus- pensivo da decisão da AdC (cfr. § 38). iv. O princípio da independência dos Tribunais e prevalência das suas decisões § 17. A solução normativa em apreço viola ainda o princípio da independência dos Tribunais (artigo 203.º da Constituição), na modalidade de reserva de tribunal ou reserva de via judiciária, por comprometer a autonomia decisória dos Tribunais e, bem assim, o princípio da prevalência das decisões judiciais (artigo 205.º, n.º 2, da Constituição), por impor ao Tribunal de julgamento a decisão da AdC como facto consumado e já executado, em razão da imediata executoriedade da decisão (não definitiva) da AdC que advém da regra do efeito devolutivo (cfr. §§ 39 – 42). B) Por violação do princípio da presunção de inocência i. Enquadramento § 18. O princípio da presunção de inocência do arguido é plenamente aplicável no direito e no processo das contraordenações, como resulta do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição (cfr. §§ 43 – 44). § 19. A presunção de inocência materializa-se numa injunção processual de tratamento do arguido como ino- cente até trânsito em julgado da decisão condenatória, tendo por corolário essencial a proibição absoluta de imposição legal de quaisquer ónus ou restrições de direitos do arguido que representem, material- mente, a antecipação da condenação (cfr. § 45). ii. A antecipação material (dos efeitos) da sanção § 20. A solução normativa emergente do artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC consiste numa evidente antecipação material dos efeitos da coima aplicada pela AdC e, portanto, por decisão administrativa não definitiva, num momento processual em que se presume obrigatoriamente a inocência do arguido. § 21. Por força daquele regime, o arguido condenado por decisão da AdC intervém na fase judicial do processo de contraordenação tendo já suportado a execução material – voluntária ou coativa – daquela decisão, o que é em absoluto inadmissível à luz do princípio da presunção de inocência e daquele seu corolário essencial (cfr. § 46). iii. A perversão do ponto de partida na fase judicial § 22. A solução normativa em apreciação compromete o princípio da presunção de inocência e o seu corolário essencial de proibição de antecipação material da condenação, antes de decisão definitiva nesse sentido,
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