TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
141 acórdão n.º 445/18 na medida em que, em caso de decisão absolutória – e ao contrário do que aconteceria caso houvesse efeito suspensivo – o Tribunal estará, na realidade, a condenar o Estado e a AdC (entre os quais se reparte o montante pecuniário da coima), pois que deverá ser restituído ao arguido o valor já pago a título de sanção, circunstância obviamente suscetível de pesar na ponderação do Tribunal (cfr. §§ 47 – 49). iv. O valor da decisão administrativa depois da impugnação § 23. A violação do princípio da presunção de inocência agudiza-se pela circunstância de a decisão condenató- ria da AdC – a que por via da regra do efeito devolutivo se atribui executoriedade imediata –, uma vez impugnada judicialmente, se convolar, normativa e funcionalmente, em mera acusação, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, do RGCO (cfr. § 50). v. A natureza inquisitória da fase administrativa § 24. A fase administrativa do processo contraordenacional segue uma estrutura puramente inquisitória, com os respetivos enviesamentos ao direito de defesa do arguido, assim reforçando o risco de decisões conde- natórias injustas proferidas pela AdC, às quais o regime normativo em apreciação atribui, todavia, força executória imediata (cfr. § 51). vii. O efeito equivalente da prestação de caução (para garantia da coima) § 25. A efetiva prestação de caução “em substituição” da coima, depois de demonstrado prejuízo conside- rável nos termos do artigo 84.º, n.º 5, da LdC, tem por finalidade garantir o pagamento da coima, redundando, na realidade, na liquidação antecipada do valor da sanção aplicada pela AdC (alvo de impugnação judicial), o que equivale a uma antecipação inadmissível dos efeitos materiais associados à responsabilidade contraordenacional do arguido (que se presume inocente). § 26. O regime do artigo 84.º, n.os 4 e 5 da LdC – tal, aliás, como interpretado e (des)aplicado pelo Tribunal a quo – não permite que a caução prestada “em substituição” possa ser judicialmente graduada, atendendo à situação financeira do arguido. § 27. Ainda que o regime do artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC autorizasse que a caução fosse determinada em valor inferior à coima aplicada (quod non), continuaria a sair violada a presunção de inocência: desde logo, porque o princípio constitucional em causa é insuscetível de transação à luz do quantum do ónus de antecipação da sanção; e ainda porque a caução, mesmo graduada em montante inferior à coima aplicada pela AdC, continuaria a ter por finalidade garantir o pagamento dessa mesma coima por parte de um arguido que se presume inocente (cfr. §§ 52 – 55). C) Por violação do princípio da proporcionalidade i. Enquadramento § 28. O regime em causa viola o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) por implicar restrições desproporcionais – e, como tal, inadmissíveis – dos princípios do acesso ao direito e de garantia de tutela jurisdicional efetiva, da independência dos Tribunais e prevalência das suas decisões e da presunção de inocência (cfr. § 56). ii. Adequação § 29. A atribuição de efeito devolutivo ao recurso de impugnação judicial de decisões proferidas pela AdC que apliquem coima é tão adequada a dissuadir impugnações judiciais infundadas e dilatórias (ainda que os factos demonstrem que este não é um risco real e sério), como a desincentivar impugnações judiciais plenamente fundadas, o que põe decisivamente em causa a adequação geral da medida prevista no artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC (cfr. § 57). iii. Necessidade § 30. Os princípios constitucionais do acesso ao direito e de garantia de tutela jurisdicional efetiva e da inde- pendência dos Tribunais e prevalência das suas decisões, assim como da presunção de inocência, são restringidos de forma desnecessária, na medida em que existem inúmeros meios alternativos, menos gravosos e mais adequados a realizar as finalidades visadas por aquela solução normativa, em particular a de dissuasão de impugnações judiciais infundadas.
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