TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente que não existe um paralelismo automático entre os institutos e regimes próprios do processo penal e do processo contraordenacional, não sendo, por conseguinte, diretamente aplicáveis a este todos os princípios constitucionais próprios do processo criminal. Como ainda recentemente se afirmou no Acórdão n.º 373/15, no ponto 1 da Fundamentação, o «conteúdo das garantias processuais é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. (…) no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor resso- nância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos con- traordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 158/92, 50/99, 33/02, 659/06, 99/09 e 135/09)». De outro lado, o Tribunal tem também sublinhado que a inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contraordenacional e processo criminal não invalida «a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matérias de processo penal» (Acórdão n.º 469/97, ponto 5, retomado no Acórdão n.º 278/99, ponto II. 2.). 11. O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público. Sendo expressão do direito individual das garantias de defesa e de audiência, este princípio encontra, pois, aplica- ção também no processo contraordenacional, como decorre dos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição. Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão sancionatória contra si proferida, o que, neste caso, se con- substancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancio- natório de forma necessariamente fundamentada. Assente este ponto, vejamos estão se a norma objeto do presente recurso afronta o princípio da presunção de inocência de forma não consentida pela Constituição. 12. A norma ora em juízo decorre da interpretação do artigo 84.º da LdC, inserindo-se no capítulo dedicado aos «recursos judiciais» (capítulo IX), especificamente, na secção que regula os «processos contraordenacionais» (secção I). É, portanto, no domínio da disciplina da impugnação junto de tribunal (o designado «recurso judicial») da decisão proferida pela autoridade administrativa no processo contraordenacional que os n. os 4 e 5 daquele artigo da LdC estabelecem as regras aplicáveis à produção de efeitos da decisão sancionatória após a sua impugnação. Nesses termos, é consagrada como regra geral o efeito meramente devolutivo do recurso de impugnação, regulando-se também a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso. O que a referida norma estabelece é, pois, estritamente, o condicionamento do efeito suspensivo do recurso às decisões de aplicação de coimas cuja execução gere prejuízo considerável ao visado e à prestação de uma caução (enquanto garantia do pagamento da coima), não a disciplina da execução da coima. Ora, sendo assim, pelo regime delineado não se nega – antes é reconhecido – o direito do arguido impugnar a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa e, com o exercício desse direito, continuar a benefi- ciar do estatuto de inocente. Simplesmente, a suspensão da decisão sancionatória fica dependente do cumprimento de uma garantia imposta pelo legislador. É certo que o efeito meramente devolutivo do recurso não impede a instauração de execução da coima fixada pela autoridade administrativa e implica, consequentemente, a possibilidade de penhora do seu património,
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