TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

145 acórdão n.º 445/18 consolidando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A procedência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, toda- via, na atribuição legal, per se, do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administrativa sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . De facto, incidindo a questão de constitucio- nalidade sobre a disciplina do efeito do recurso, mais concretamente sobre a imposição de um ónus (imposição de prestação de caução) como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação da decisão sancionatória, é sobre esse ónus que deve incidir a avaliação de conformidade constitucional, nomeadamente da sua adequação, o que deverá ser feito à luz das exigências do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o interesse público que presidiu à adoção de tal solução. E sendo assim, é no âmbito do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva que a questão de constitucionalidade colocada neste recurso deverá ser analisada. Nesse contexto, no entanto, o conteúdo normativo do artigo 32.º, n. os 2 e 10 da Constituição será tido em conta, contribuindo, nos termos adiante assinalados, para o sentido da conclusão a que se chegar. Há, pois, que averiguar se a norma em juízo ultrapassa o justo equilíbrio entre as exigências do interesse público que visa assegurar e o prejuízo que causa no direito a um efetivo acesso aos tribunais. ii) Da violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva 13. O princípio do Estado de direito democrático, basilar para a República Portuguesa, é acolhido logo no artigo 2.º da Constituição. Uma das suas concretizações consiste precisamente no direito de acesso aos tribunais, individualizado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Este direito inclui, entre outras dimensões normativas, desde logo, o “direito de ação”, isto é, o direito subje- tivo de levar ao conhecimento de um órgão jurisdicional determinada pretensão, dando origem à abertura de um processo (o “direito ao processo”), que deve ser equitativo e célere, com o consequente dever do mesmo órgão sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (cfr. Acórdão n.º 473/94, ponto II. 2.). Este direito geral à tutela jurisdicional efetiva é concretizado, no âmbito da justiça administrativa, através da consagração, no artigo 268.º da Constituição, de um conjunto de garantias dos particulares em face da Adminis- tração, onde se inclui «o direito de impugnar quaisquer atos administrativos que os lesem» (cfr. n.º 4, do artigo 268.º, da Constituição).  Como tem sido sublinhado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em processo de contraordenação, para além de gozar do direito de defesa constitucionalmente previsto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o arguido goza também do direito de acesso à tutela jurisdicional, com o consequente direito de impugnar judicial- mente a decisão administrativa, nos termos previstos no artigo 59.º e ss. do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 659/06, ponto 2.2., 45/08, ponto 2.2., 135/09, pontos 7. e 8.4., 299/13, ponto 5., e 373/15, ponto 2.). Com efeito, como o processo contraordenacional corre diante de entidade administrativa – i. e. fora da hierarquia jurisdicional –, o direito ao recurso face a uma decisão sancionatória nele proferida adquire uma relevância só compreendida dentro da tutela jurisdicional efetiva, e mais especificamente na garantia da impugnação dos atos administrativos sancionatórios perante os tribunais, consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. 14. Existe uma ampla margem de que o legislador dispõe na modelação do regime de acesso à jurisdição, designadamente no domínio da impugnação contenciosa de atos administrativos sancionatórios (cfr. os Acórdãos n.º 595/12, ponto 6, e n.º 373/15, ponto 2 da Fundamentação). Como o Tribunal tem reiteradamente sublinhado

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