TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

146 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «(…) o legislador dispõe de ampla margem de conformação no que respeita à modelação do regime de acesso à via jurisdicional, podendo disciplinar o modo como se processa esse acesso, nomeadamente em via de recurso- -impugnação, posto que não crie obstáculos ou condicionamentos substanciais» (Acórdão n.º 373/15, ponto 2 da Fundamentação). A opção do legislador no que respeita à forma de impugnação das decisões de caráter sancionatório aplicadas em processo de contraordenação por entidades administrativas foi no sentido de consagrar uma via processual de plena jurisdição. Como já foi referido, apesar da designação legal, não se trata de um recurso propriamente dito, antes de um processo judicial de impugnação de decisões administrativas sancionatórias. Conforme delineado no Regime Geral das Contraordenações, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa seguindo-se, no caso de impugnação da decisão nela aplicada, uma fase jurisdicional em que o arguido dispõe da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão. Esta impugnação dá lugar a um processo de natureza jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o processado nos autos, valorando em conjunto toda a prova produzida, quer a já produzida na fase administrativa, quer a realizada na fase jurisdicional. Ao apreciar a impugna- ção da decisão administrativa o tribunal não está vinculado à qualificação por esta efetuada quer no que respeita aos factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer no que respeita à matéria de direito (qualificação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Desta forma, a impugnação, «se respeitados os requisitos de forma e tempo [elimina] o caráter definitivo ( hoc sensu , materialmente definidor da situação do particular) da deci- são administrativa, porque a apresentação dos autos ao juiz vale como acusação, assim se convertendo em judicial o poder de aplicação da sanção” (Acórdão n.º 595/12, ponto 4). A impugnação da decisão administrativa nos moldes enunciados configura, assim, o meio de acesso à jurisdição.   15. Como já acima ficou evidenciado, a norma em apreciação, resultante do artigo 84.º, n. os 4 e 5 da LdC, não nega o direito do arguido impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida. Limita-se a esta- belecer como regra o efeito meramente devolutivo ao recurso, impondo determinadas condições para a atribuição do efeito suspensivo. O princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva não impõe, porém, a regra do efeito suspensivo ao recurso, nem mesmo quando esteja em causa a impugnação contenciosa de atos administrativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, pp. 417-418). A solução normativa encontrada insere-se, assim, na referida margem de que o legislador dispõe neste âmbito. Isto não significa que não haja exigências constitucionais a respeitar. No âmbito de um procedimento sancionatório, mais do que o direito ao recurso, estritamente compreendido, firma-se um efetivo direito de ação por parte do arguido contra um ato da administração pública. Ora, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente, pressupõe a garantia da via judiciária, que implica que sejam outorgados ao interessado os meios ou instrumentos processuais adequados para fazer valer em juízo, de forma efetiva, o seu direito. Uma das dimensões em que se concretiza a garantia da via judiciária é justamente o direito de acesso, sem constrangimentos substanciais, ao órgão jurisdicional para ver dirimido um litígio. A norma objeto do processo estabelece que só pode ser atribuído efeito suspensivo à impugnação de deci- sões que apliquem coima quando a sua execução cause “prejuízo considerável” ao visado e este preste caução. O ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impugnar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cumprimento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a sanção aplicada, o sancionado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa “prejuízo considerável” como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como consequência a concretização do

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