TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
147 acórdão n.º 445/18 referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido. Um tal regime implica, portanto, uma restrição do acesso à via judicial. Na verdade, a garantia de uma via judiciária de tutela efetiva implica não apenas que a impugnação judicial garanta ao arguido a possibilidade de ver reapreciados todos os fundamentos da decisão impugnada, mas também a possibilidade de evitar os seus efeitos 16. Resta, então, verificar se esta restrição do artigo 20.º da Constituição é constitucionalmente admissível. O que implica verificar se as condições normativamente estabelecidas para a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, designadamente a demonstração do «prejuízo considerável» e a prestação de caução substitutiva da coima que se pretende impugnar, importam a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais e, por conseguinte, no acesso ao direito. Indagação que nos transporta de imediato para as dimensões do princípio da proporcionalidade. iii) Da aplicação do princípio da proporcionalidade 17. O princípio da proporcionalidade ocupa lugar central na avaliação dos requisitos materiais exigidos nas restrições de direitos fundamentais as quais, de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, devem «limitar- -se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos». São comumente identificados os seguintes três subprincípios em que se desdobra: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito). 18. Para a análise de cada uma destas dimensões do princípio, importa começar por identificar o interesse público prosseguido pela norma sindicada. O novo regime da concorrência (a LdC), instituído pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, concretiza a incum- bência prioritária do Estado prevista no artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição e os objetivos de política comercial constantes do artigo 99.º, alínea a) , da Constituição. De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, que esteve na base da Lei n.º 19/2012, o impulso para a alteração surge no seguimento de compromisso assumido pelo Governo Português no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, tendo por base um Memorando de Entendimento sobre as condicionalidades de Política Económica celebrado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Nesse documento, Portugal comprome- teu-se a «adotar medidas para melhorar a celeridade e a eficácia da aplicação das regras da concorrência» (ponto 7.20.), «estabelecer um tribunal especializado no contexto das reformas do sistema judicial» (ponto 7.20. v.) e a «propor uma revisão da Lei da Concorrência, tornando-a o mais autónoma possível do Direito Administrativo e do Código de Processo Penal e mais harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE» (ponto 7.20. vi.), em particular, «avaliar o processo de recurso e ajustá-lo onde necessário para aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos» (ponto 7.20. vi., 3.º travessão) [docu- mento disponível em português in http://www.portugal.gov.pt/media/371372/mou_pt_20110517.pdf ]. A Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, no que para agora nos interessa, refere igualmente o objetivo de «simplificar a lei e introduzir maior autonomia das regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência relativamente às regras de procedimentos penais e administrativos» e procurar «aumentar a equidade, a celeridade e a eficiência dos procedimentos de recurso judicial de decisões da Autoridade da Concorrência». É este o contexto legislativo da nova LdC, onde a norma impugnada se insere, que pretendeu fazer convergir o regime nacional da concorrência com o Direito da União Europeia e prosseguir o fim de imprimir maior cele- ridade e eficácia na aplicação das regras da concorrência, conferindo, para o efeito, maior efetividade aos poderes sancionatórios. O fim da norma objeto do processo, impondo como regra geral o efeito meramente devolutivo do recurso, condicionando o efeito suspensivo à prestação de caução e à verificação de prejuízo considerável, é a diminuição dos recursos judiciais infundados e cujo objetivo seja meramente dilatório, isto é, adiar o pagamento da coima. Manifesto é, assim, o propósito desincentivador do recurso veiculado pela nova regulamentação.
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