TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Identificado o fim prosseguido pela solução normativa em juízo, vejamos, então, se ela se acomoda às três dimensões identificadas no princípio da proporcionalidade. 19. O subprincípio da idoneidade determina que as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem constituir um meio idóneo para a prossecução dos fins visados tendo em vista a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos. Tomando o propósito expressamente enunciado pelo legislador ao reformular o regime da concorrência (cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII), no contexto do Memorando de Entendimento, ambos já referidos no ponto anterior (nomeadamente de separar «as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efetiva da Lei da concorrência» e «aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos»), a solução normativa em análise não oferece nenhum problema de desadequação. Não se duvida que a sujeição da suspensão da execução da coima visada pela impugnação ao pagamento de um montante equivalente demoverá os propósitos infundados e meramente dilatórios, contribuindo, desde modo, para o desincentivo do recurso à impugnação judicial infundada da decisão proferida pela AdC. Se o efeito útil visado pela impugnação é não pagar, ou adiar o pagamento, da coima, impor o respetivo paga- mento integral para suspender a execução da decisão, neutraliza o objetivo pretendido. 20. Diferente se apresenta, porém, a resposta a dar à pergunta sobre se a norma objeto de fiscalização se apre- senta como necessária ao prosseguimento dos objetivos delineados para satisfazer o interesse público. De acordo com a dimensão da necessidade/exigibilidade do princípio da proporcionalidade, as medidas res- tritivas de direitos fundamentais têm de ser indispensáveis para alcançar os fins em vista, não sendo configuráveis outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo fim. Ora, no caso, existem outras medidas que servem eficazmente de desincentivo ao recurso à impugnação judi- cial manifestamente infundada: desde logo, a já consagrada reformatio in pejus (artigo 88.º, n.º 1, da LdC). Como salientado por José Lobo Moutinho, é «patente que essa admissão condiciona o exercício do direito ao recurso ou à impugnação, levando o arguido administrativamente condenado a ter medo de se prejudicar com o recurso ou impugnação e criando-lhe, assim, uma forte inibição que o levará a evitar os recursos» (“A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva , vol. 1, Universidade Católica Editora, pp. 421-452, p. 437).   Foi precisamente por se considerar que se perdia uma forte razão para desmotivar a instauração de recursos infundados que a regra da proibição da reformatio in pejus , introduzida no Regime Geral das Contraordenações pela reforma de 1995, sofreu abundantes críticas da doutrina da especialidade (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, vol I, 1997, p. 141). Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, «A proi- bição da reformatio in pejus é inconveniente, injustificável e tem efeitos perversos, tais como aumenta o número de recursos independentemente da gravidade das sanções e torna os recursos economicamente compensadores, sempre que estejam em causa sanções muito elevadas, por via do deferimento no tempo do respetivo pagamento» ( Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , UCP, 2011, pp. 294-295; cfr. também, “A Reforma do Direito das Contraordenações”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda , Vol IV, p. 750). Igualmente críticos da introdução da refor- matio in pejus no Regime Geral das Contraordenações, vide Carlos Adérito Teixeira, “Direito de mera ordenação social: o ambiente como espaço da sua afirmação”, in Revista do Ministério Público , ano 22, n. 85, 2001, p. 89; Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões fundamentais, UCP, 2003, p. 174, Leones Dantas, “O Ministério Público no processo de contraordenações”, in Revista de Questões Laborais , ano VIII (2001), n.º 17, p. 38. Existem, portanto, alternativas menos gravosas para o direito do arguido de acesso ao tribunal que prosseguem a mesma solução dissuasiva do abuso dos recursos. Foi inclusivamente equacionado nos trabalhos preparatórios do novo Regime Jurídico da Concorrência conjugar o efeito suspensivo do recurso com a previsão da correção monetária do montante da coima fixado a final (Miguel Gorjão Henriques, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricence, Almeida 2013, p. 818).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=